quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

E na quarta-feira...

                       E na quarta-feira de Cinzas...

 

            É chegado o momento da reflexão. Para alguns, a quarta-feira pós carnaval será lembrada como de fato um dia de cinzas. Após vários excessos cometidos durante a festa profana, é hora de ver os seus resultados e arcar com a conta. Muitos ainda se encontram em hospitais, em necrotérios, com doenças contraídas por conta de suas irresponsabilidades e tambem imbuídas por aquela sensação de que “comigo isso não vai acontecer”, que a vida tem que ser curtida de todas as formas possíveis, que é assim mesmo, e nesse contexto ela segue, só que também cobra.

            Famílias inteiras despedaçadas devido à irresponsabilidade de alguns, filhos chorando a morte de seus pais e pais chorando a morte de seus filhos; relacionamentos terminados outros iniciados e assim a vida prossegue. Mas por que tem que ser assim? Por que para alguns o Carnaval é vivido como se esses quatro dias de folia representassem seus últimos dias de vida? Uma questão difícil de ser respondida. No entanto, ainda que para muitos seja lugar comum, insisto: é o momento de reflexão.

            Sim, refletir, esse é o nosso propósito. Rever nossos posicionamentos face à trama da vida, nossa relação com as pessoas, com os animais, com a Natureza e com o mundo, sobretudo nossa relação com nós mesmos. O que temos feito de nossas vidas? Mais uma pergunta difícil de ser respondida e evitada por muitos. Certamente que se fosse dado uma nova chance para todos àqueles que se excederam no período reescrevessem suas histórias, todos a reescreveriam de uma outra maneira, mais próxima de Deus, talvez, e mais distantes dos excessos. Mas lamentavelmente a vida não é um esboço, só se vive uma única vez, e temos que aprender com nossos erros e com nossas dores, a viver com mais prudência e com mais parcimônia um dia de cada vez. Decerto, aí resida essa outra chance que muitos buscam.

            Não restam dúvidas que muitas vezes sentimo-nos impelidos a desistir de tudo, inclusive de nós mesmos, entregando-nos por completo a uma vida desregrada e em plena contradição com todos os valores éticos e morais acumulados ao longo da vida, mas nos momentos mais delicados, quando tudo parece estar perdido, é que temos que ser fortes e prosseguir em nossa caminhada na busca dessa que é uma das maiores virtudes do ser humano: o equilíbrio. Temos uma responsabilidade imensa que nos foi legada pelo Grande Juiz que assim nos confiou nossa missão com a certeza de que seríamos capazes de cumpri-la, apesar das dificuldades naturais do caminho, mas, não raras vezes traímos Sua confiança, ao nos entregarmos por completo à luxúria e ao prazer, esquecendo-se que na quarta-feira a vida prossegue e a conta vem junto.

            Não pode haver prazer maior no mundo do que estar em companhia de nossa família. Que felicidade é poder ver um sorriso estampado nos rostos de nossos filhos e familiares ante a nossa presença! O que pode ser melhor para nossa família do que a nossa responsabilidade para com nós mesmos? Creio não haver nenhuma sensação parecida.

            É claro que o carnaval deve ser brincado, curtido, mas com um pouco mais de bom senso, sem tantos excessos. Que nossa alegria não termine na quarta-feira de Cinzas, que tenhamos outros carnavais tão alegres e felizes como esse último, afinal, o problema não reside nas coisas, mas sim, em nossa inabilidade em lidar com elas e seus excessos. Sejam bem vindos de volta à vida.

 

                                   BJN, 25 de fevereiro de 2009.

 

                                  

                                   Marcelo Adriano Nunes de Jesus.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

           O HOMEM, O PRAZER E A SOCIEDADE.

 

            No meu texto intitulado Liberdade, afirmei que o ser humano é movido pelas escolhas que faz ao longo de sua jornada existencial, e que o resultado dessas muitas escolhas no sentido da busca incessante do prazer acabam por desembocar tambem no uso de drogas. Mas a questão fundamental dessas escolhas diz respeito ao sentido do prazer que ele busca. Mas afinal, que tipo de prazer estamos tratando aqui? O que movem pessoas a fazerem determinadas escolhas, algumas catastróficas para si e para outros? Seria essa atitude a própria liberdade dentro de um contexto ontológico do Dasein de Heidegger[3]? Tal reflexão analisada numa perspectiva fenomenológica mais uma vez nos remete ao filósofo Jean-Paul Sartre[1], onde, para aquele pensador, o ser do fenômeno é tido pela própria consciência e esta tem como caráter essencial a intencionalidade. Em outros termos, a consciência visa um objeto transcendente, nesse caso o prazer, ou seja, a existência de um ser não-consciente que faz com que ele aja muitas das vezes de forma inconseqüente na busca de alguns resultados. Poder-se-ia então concluir que existem dois tipos de ser: o ser-para-si (consciência) e o ser-em-si (fenômeno) e que estão em constante dialética, tomando por empréstimo esse conceito marxista para definir o processo de descrição exata do real, que nada mais é do que o debate entre eu, o eu e o mundo.

            A história do ser humano já se inicia de forma muita trágica e segue traumática. Tem que disputar com milhões de espermatozóides para conseguir entrar no útero feminino, os quais milhares desses ficam pelo caminho. O acesso é permitido apenas para um, salvo raríssimas exceções. Durante nove meses em média, ele fica num ambiente com temperatura constante de 37 graus centígrados. Sua alimentação e respiração são feitas de forma virtual através do cordão umbilical que o une à mãe; nada o perturba. Seu contato com o mundo exterior se dá apenas pelas sensações que sua genitora sente; não tem absolutamente nenhum tipo de preocupação, de traumas, de dor, nada. Aquela é a sua inabalável verdade consciente.

            Subitamente, ele se vê primido a sair daquele conforto em que estava por uma passagem bem menor que seu tamanho; cai numa sala onde a temperatura ambiente gira em torno de 19/21°C, além de ter que criar novos mecanismos que lhe garantam a sobrevivência, pois doravante, será preciso aprender uma nova forma de respirar, de alimentar-se, de Ser. Vem ao mundo de uma maneira muito dolorida e desprovida de qualquer prazer, e para ele, tambem de sentido, o qual deverá adaptar-se ao novo mundo... Ou não, o que vai depender de suas escolhas, ocasionadas em parte por sua história acumulada nesse caminhar.

            Com o passar do tempo, os elementos presentes somados aos novos que foram adquiridos, acabam por conduzi-lo na busca desse sentido e prazer experimentados ainda no útero materno.

            Mas, nesse caso, nem tudo são flores. Os caminhos trilhados nessa busca, quase desesperada daqueles que optaram em estar fora dos padrões determinados, acabam por ser rotulados pela sociedade como “impróprios” e como sendo algo que deva ser evitado por todas as pessoas ditas “normais” e, preferencialmente, banido do meio social, principalmente em se tratando de idéias e posicionamentos diversos que poderiam “contaminar” todo o resto. Nesse contexo, é a ideologia do Estado que tem que prevalecer sobre todas as demais.

            Tomemos por exemplo o Jazz, ritmo que nasceu em Nova Orleans, cidade ainda hoje pobre e de maioria negra dos Estados Unidos, mas que tem o mérito de ter criado um ritmo apreciado por uma boa parte da população elitizada de todo o mundo. Entretanto, no início de seu surgimento, foi muito criticado e mesmo proibido de ser executado pelos governos locais, afinal, foi introduzido naquele país por negros vindos da África, que encontraram na música, uma forma de contestação aos horrores da escravidão e tambem na busca de um sentido para suas vidas diante de tudo aquilo que viviam, logo, a lógica apontava no sentido do iminente “perigo” que o jazz poderia ensejar e que por tal razão, a partir de uma propaganda estatal, não foi bem aceito pela sociedade de maioria branca, que logo tratou de marginalizá-la e evitá-la, ainda que muitos dessa mesma elite em seus momentos fora do alcance panóptico da sociedade se deleitassem ao som de Louis Armstrong, Sarah Voughan, Ella Fitzgerald, etc.

            O mesmo aconteceu com o movimento hippie, jovens cabeludos que resolveram criar uma sociedade alternativa àquele lixo de sociedade em que viviam ao som de White a litle help from my friends, Lucy and sky with diamond dentre outros e que também haviam passado por duas grandes guerras; que viram a tecnologia da morte em massa a serviço de simples desejos mórbidos de alguns homens pautados tão somente no desejo de vingança contra pessoas que nada tinham a ver com aquela guerra estúpida e incoerente, como foi o caso de Hiroshima e Nagasaki; que viram triunfar o Mal encarnado na figura de Hitler, Mussolini, Franco e inúmeros outros, e que tambem assistiram as suas pretensões serem completamente diversas daquelas que imaginavam, onde a resposta do Estado às mesmas foi a criação do macarthismo, política norte americana que indicou uma visão política maniquéia e numa verdadeira perseguição aos homens e instituições declarados antiamericanos, sendo que muitos daqueles “doidões” que sobreviveram às perseguições por suas idéias contrárias ao establishment independente da época, do contexto e do lugar, hoje são representantes de uma classe restrita infelizmente a poucos: o de intelectuais que produzem saberes em todas as áreas do conhecimento humano. Aqui no Brasil, por exemplo, desde os altos escalões do Executivo Federal e também do Congresso Nacional, temos os nossos heróis da resistência: o Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc e o Deputado Federal, Fernado Gabeira, além de tantos outros espalhados pelas diversas universidades e escolas desse imenso país, sem mencionar aqueles que produzem cultura através da arte. Mas o simples fato de alguém ser um admirador dessas pessoas pelo o que elas representaram e ainda representam, faz com que opiniões maldosas e completamente equivocadas e desprovidas de coerência e conhecimentos históricos sejam construídos em relação ao sujeito que os admira, e que em muitos casos, tambem são rotulados de "doidões", isso para não dizer coisas mais absurdas que emergem no contexto; essa é a lógica dos mentecaptos que precisam de um pouco mais de leitura para se aventurar a emitir opiniões que sejam no mínimo coerentes com os fatos, e não baseados em "achismos", o que é no mínimo ridículo, além de deixar bem claro a impossibilidade de diálogo.

 Um outro exemplo e que dessa vez vem das artes, foi a explosão do surrealismo, com Dali, Picasso, Mirò, dentre inúmeros outros, uma verdadeira aberração para a época que criticava o cartesianismo de Descartes e questionava implacavelmente a razão absurda a qual toda explicação sobre tudo necessariamente teria que passar pelo seu crivo, como se ela fosse a única portadora da verdade, esquecendo-se que a verdade insere-se no devir histórico. Na literatura, George Orwell e a sua “Revolução dos Bichos”, uma sociedade conduzida pelos animais seguindo a lógica marxista; Andy Warhol e sua crítica feroz à sociedade de consumo, enfim, todos foram marginalizados e excluídos por essa mesma sociedade que hoje os reconhecem como grandes mestres. Essa é a condição humana: hoje marginal, amanhã gênio mundial. Mas que não se confunda, estar à margem da lei com discordar com a organização do mundo, a divisão de riquezas e oportunidades e o nosso papel aqui; são coisas completamente distintas e antagônicas entre si. A Lei é para ser respeitada por todos, o que não quer dizer que não deva ser discutida, sim, deve, por isso existem os advogados, mas daí, a cometer crimes, e ilícitos os mais diversos, vai uma longa diferença, os quais devem sim, ser punidos com rigor e servir de exemplo.

            Decerto que àqueles que estiveram à frente da polis não iriam permitir que esses movimentos de contestação ao estabelecido lograssem êxito, ainda mais que eles estavam colocando em xeque toda a organização sociocultural do Estado. Era preciso encontrar mecanismos que controlassem aquela explosão de busca de prazer e também de sentido às suas vidas fora dos padrões explicativos e normatizadores do Estado. Os tecnocratas de plantão no poder não perderam tempo, trataram logo de encontrar uma solução ao tema. Entra em cena a medicalização da sociedade, onde psiquiatras e juristas a serviço do Estado prestariam “relevantes” serviços à sociedade, excluindo do convívio social todos aqueles que não estivessem adequados à norma, ainda que por mera opinião de sentido do Ser, isso ainda na Idade Média, com a construção dos “Asilos” e um pouco mais a frente as teorias de Bentlham e o seu panoptismo, e que ainda hoje permanecem em nossas sociedades funcionando a pleno vapor, basta dar uma olhada ao nosso redor e perceber o “grande big brother” que é viver em sociedade.        

            Na Idade Contemporânea, a Psicanálise ganha força e status de salvadora do homem de suas infindáveis crises existenciais, e que irá esforçar-se no sentido de encontrar explicações para os inúmeros dramas vividos pelos homens e suas possíveis soluções, apontando para dentro dele a origem da maioria dessas causas. Porém, sendo o homem um ser em constante construção limitadas são as ferramentas disponíveis na busca desse propósito, e que ante tal incapacidade em solucionar o problema, dialogará com outras ciências afim de que juntas resolvam tão delicada questão, e é nesse cenário que emerge a Psiquiatria, uma forte aliada do Estado nas suas perversas pretensões de controle social e que vai muito além do que lhe é permitido.

            Novamente em cena o saber/poder da medicina, que irá nortear todos os rumos do homem em sociedade, interditando, medicalizando, e excluindo, e em muitos casos retirado o homem do seu convívio social o qual passará a ostentar o rótulo de "anormal", onde seus espaços para divagações, que antes podiam se dar em qualquer lugar, doravante passarão a ocupar os espaços asilares, longe da sociedade, que deverá estar a salvo das “loucuras” dos insensatos e da sua possível “contaminação”. Mas apesar disso tudo, o homem seguirá em sua busca naquilo que ele acredita, ainda que para alguns certas crenças seja um absurdo e esteja na contramão da lógica, como acreditar no amor e no desprendimento, por exemplo. Esse foi o caso do profeta Gentileza, um sujeito brilhante que tive a honra de conhecer vagando pelas ruas do Rio de Janeiro, divulgando, de forma silenciosa,  suas idéias e interpretações do mundo e do Ser sob os pilotis do Gasômetro, próximo à rodoviária Novo Rio. Seus inúmeros escritos que naquele local foram rabiscados, ainda hoje lá se encontram, e fazem parte do Patrimônio Histórico.

            Hoje, o Gentileza, já falecido, tem suas leituras de mundo interpretadas em várias teses de doutoramento e em inúmeras dissertações de mestrado de pesquisadores brasileiros e também de estrangeiros, alguns desses trabalhos lhe dão o lugar devido na História, outros nem tanto.

            Para aqueles que querem saber mais sobre o assunto, sugiro: "Sujeito e Invenção: a topologia borromeana nas clínicas de psicose" de Andréia Máris Campos Guerra, Doutora em Teoria Psicanalítica pela UFRJ e professora titular da mesma instituição e também da PUC/MG, disponível no banco de teses do CNPq.

            Nesse contexto de busca de sentido, Sigmund Freud[2]considerava os princípios do prazer como sendo o “guardião da vida psíquica” do sujeito, e segundo ele, a partir do momento em que as pessoas em busca desses princípios convergissem para o uso de certas substâncias, as quais posteriormente ao uso caíssem numa situação de desprazer desconforto, além da sensação de culpa, o que normalmente ocorrem nessas situações, de acordo com estudos vigentes, nosso “guardião” meio que ficasse paralisado; “é como se o vigia da nossa vida psíquica fosse colocado fora de ação” e o homem se percebesse inerte diante de si mesmo e do mundo à sua volta.

            Destarte, penso tratar-se de uma possibilidade de que o psiquismo seja capaz de manter a energia do sujeito em um nível tal, que admitam advirem à dor e o desprazer, mas extraindo dessa situação a satisfação imbuída numa perspectiva de fuga de si e daquilo que ele não quer viver. Ele quer fazer o movimento contrário que ficou lá atrás. Uma situação completamente triste e ao mesmo tempo paradoxal, mas que em absoluto justifica a interdição do sujeito. Onde está a democracia?

            O uso de drogas, sejam elas quais forem, envolve uma teia muito complexa, portanto, não pode ser tratado de forma isolada nem tampouco situar-se no plano marginal da sociedade, o que quando ocorre, acaba por ensejar políticas que ao invés de resolverem o problema, acabam ainda mais por agravar e, por conseguinte, nada resolvem. É preciso uma política eficaz para acabar de vez com o tráfico que ceifa vidas e sonhos além de uma alternativa de tratamento mais humana e menos pragmática para aqueles que caem nessa teia.

            Nesse particular, parafraseamos a ilustre juíza de direito Maria Lúcia Karam, que numa palestra disse: “... Como na Europa dos séculos XIII a XVIII, em que práticas legislativas e judiciárias de exceção e detalhados códigos permitiram a identificação e a estigmatização da bruxaria e da heresia, análoga fantasia reaviva-se na chamada pós-modernidade para fazer de uma repressão mais rigorosa e vendida como mais eficaz de legislações excepcionais de abandono de princípios de um Direito minimamente garantidor, a marca das medidas penais...” In: Democracia, direitos humanos, guerra e narcotráfico”. Palestra proferida no Fórum do Rio de Janeiro em 18/05/2003 disponível na íntegra no sítio: www.narconews.com/Issue30/artigo785.html.

            Norbert Rouland, historiador francês, em sua obra “Roma, democracia possível[4]?”, nos chama a atenção para o fato de que muito provavelmente essa idéia de democracia que se faz tendo havido em Roma, talvez seja uma idéia por demais equivocada, e quiçá nunca tenha existido como a imaginemos. Isso porque, mesmo presente a Tribuna da Plebe, que representava os cidadãos menos afortunados, eram os aristocratas quem realmente decidiam os rumos políticos daquele Estado, o que não quer dizer que realmente fossem os melhores para dirigir os rumos da polis, tanto o é que já no século IV, ante os escândalos envolvendo imperadores, senadores, a corrupção correndo frouxa, a crise da falta de mão-de-obra dentre inúmeros outros problemas, o imperador Teodósio no ano de 395 da Era Cristã resolvesse dividir o Império em Ocidente – capital em Roma -, e Oriente – capital em Constantinopla, isso prevendo o pior, o que de fato no século seguinte iria se confirmar: o desfacelamento do Império Romano do Ocidente, surgindo em seu lugar uma nova organização político-sócio-econômico-cultural, denominada feudalismo, uma forma de vida completamente diversa da anterior, mas que dessa vez trará no topo da pirâmide social, a Igreja Católica e a rigidez de seus dogmas, além da imobilidade social, tão características no período e que perdurou cerca de 1000 anos, e a resposta dessa política àqueles que porventura se aventurasse a questionar o sentido da vida e suas implicações e que não encontrassem a resposta no Livro Sagrado foi uma invenção bem simples surgida na Espanha e depois espalhada pelo resto da Europa: Os Tribunais do Santo Ofício, que de santo nada tinham.

            Com isso, chegamos à conclusão que nesse particular, pouca coisa mudou desde Roma, a aristocracia continua a dar os rumos da nação, as pessoas continuam na busca do mito do eterno retorno, e por aí vai, basta olharmos a composição do nosso Congresso Nacional, que  na sua maioria é formado por médicos e latifundiários, e a enorme quantidade de pessoas na sociedade movidas a Prozac’s, wiskys, cigarros, e outras ilícitas as quais  não irei mencionar aqui em respeito aos meus alunos, muitos ainda menores de idade e sem capacidade de entendimento para um texto desta complexidade.

             Mas, retornando a Marx, são de fato os burgueses quem realmente ordenam toda a forma de ser e viver de uma sociedade, impondo-lhe regras muitas das vezes com o objetivo de normatizar o ser humano, e que muitas das vezes, essas normas estão em clara contradição com a democracia no seu sentido stricto, o que faz com que muitos fiquem perdidos e questionem o sentido do ser. Um exemplo bem simples do sentido contraditório do termo democracia e sua aplicação é o seguinte: por que sou obrigado a usar o cinto de segurança no carro se é da minha vida que se está tratando? E também, qual a explicação para não se punir a tentativa de suicídio? Alguns vão dizer, ah, quando o fato não ultrapassa o agente e não há outros agravantes, não há que se falar em crime, ok. Nessa lógica, estando sozinho no veículo, porque então, sou obrigado a usar o cinto se no caso de um acidente, os ferimentos que ocasionem ou não o evento morte, não vão ultrapassar além da minha pessoa? Aí vão responder: “porque o Estado tem que garantir a sua segurança”, ok. Mas se eu não quiser essa tutela? A resposta é bem simples: não tenho escolha, ou cumpro ou sou punido. É o "Vigiar e Punir[5]", tantas vezes repetido por Michel Foucault.

            São tantas as teorias que até mesmo os livre pensadores se vem como numa extensa teia de Penélope. Durante o dia, tecem suas teorias para logo a noite desfazê-las em razão de novos acontecimentos e novas reflexões. O mundo atual é muito dinâmico, às vezes penso não haver mais espaços para a literatura, exceto para autores como Paulo Coelho e cia., os quais vou me abster em comentá-los. Por isso, é preferível não ter nenhuma convicção acerca de nada, com exceção de que tudo um dia chega ao fim, afinal, tudo o que é sólido desmancha no ar. Relações de amizades, que parecem ser eternas, desmancham-se como frágeis castelos de areia ao primeiro vento; basta uma palavra errada num momento inoportuno ou um desprezo acompanhado de um sarcasmo ante um drama pessoal vivido para que o sagrado seja profanado. E o que dizer da família, célula mater da sociedade? Não raras, se mostram inócuas no sentido de prover o básico a seus membros: falo de amor profundo, em muitos casos, ausentes em todos os sentidos e direções, o que fomenta ainda mais a distância entre seus pares, contribuindo assim, para o alargamento do abismo entre o homem e aquilo que ele considera ideal, e que muitas das vezes, esse ideal diz respeito apenas ao amor de uma família; que ele tem, mas virtualmente. Carrega consigo apenas o título da instituição, mas que na verdade, muito pouco ou quase nada representa na prática. A verdade, é que somos seres solitários, em busca de uma razão que nem ao certo sabemos qual é, exceto que é ela que nos mantem vivos e que muitos chamam de fé.  

            Por último, essa experiência única e singular da relação do homem com o prazer, com a sociedade e consigo mesmo, está muito bem guardada e definida na Caixa de Pandora que foi aberta lá atrás, numa época em que esses dramas e inquietações do homem não existiam, mas isso é uma outra história, assunto para um próximo texto.

 

                                                           A luta continua.

                        Bom Jesus do Norte, (ES), 11 de fevereiro de 2009.

      

 

Dedico esse texto às minhas filhas Thaíssa e Marcella Nunes, em especial, a esta última, que com sua precoce sabedoria, aponta-me os erros e direções a serem seguidos além de ler todos os meus escritos; a Rose, que com sua paciência a cada novo dia me renova; aos meus alunos, que com suas inquietações, constroem, lado a lado comigo, o saber. E, sobretudo ao homem, fonte inesgotável de inspiração, mormente pela contradição do que ele diz e verdadeiramente faz.

                                  

           

                                                                      

 

            

 

[1] Jean Paul Sartre. O Ser e o Nada.

[2] Sigmund Freud.  Além do Princípio do Prazer, Psicologia de Grupo e Outros Trabalhos.

 

 

 



[3] Martim Heidegger. Introdução à metafísica.

[4] Norbert Rouland. Roma, democracia Possível?

[5] Michel Foucault. Vigiar e Punir.