quinta-feira, 24 de novembro de 2011

AD ULTIMA VERBUM


Apesar da sua inevitabilidade sempre nos surpreendemos quando a hora derradeira chega e mais ainda quando atinge pessoas que amamos. Não imagino a dor de um parto, porém, mesmo sendo do sexo masculino, tive a nítida sensação das dores de um parto ao contrário quando recebi a notícia da morte do meu pai e vinte dias depois a dor se repetia mais intensamente quando informado da prematura morte do meu irmão caçula.
O Pingo, como era conhecido entre familiares e amigos, era uma pessoa espetacular, quem o conheceu sabe o quanto ele era doce e encantador.
Aos dezenove anos aventurou-se em um amor conhecido em Copacabana que o fez deixar seus familiares e o Rio de Janeiro para adotar Cuiabá, capital do Mato Grosso, como seu novo lar.
Daquele amor nasceram duas lindas meninas, Emanuelle e Estela, mas o casamento não durou o tempo que um dia se jurou durar, e como tudo na vida um dia ele também chegou ao fim.
Sua maneira de ser contagiava a todos que o conheciam, que viam naquele menino a mais pura expressão de alegria, solidariedade, coleguismo e profissionalismo, mas sua vida não foi nada fácil nem tampouco glamorosa no coração do Brasil. Foi vendedor de chocolates, de motos, de sanduíches, morou em igreja por falta de dinheiro para pagar aluguel até o dia em que resolveu estudar e prestar concurso para a Polícia Judiciária Civil daquele estado. Nunca incomodou sua família em nada. Muitos dos seus problemas só tomamos conhecimento anos depois de ocorridos.
Ficou durante 10 anos no Grupo de Operações Especiais – o GOE. “Ad Ultima Verbum”, a última palavra em recursos policiais especiais. Durante esse tempo colecionou cursos de especialização os mais diversos, desde tripulante de aeronaves a operações com explosivos e cães, passando por operações subaquáticas e tantos outros, porém, mais importante que os cursos foram os amigos que ele não parava de somar em sua vida, e isso ficou patente em seu funeral.
É meu irmão era muito querido. Quando eu, meu outro irmão Marcio e meu tio Jorge chegamos à Cuiabá, pensamos estar na capela errada, dado a enorme quantidade de pessoas presentes no local. Era polícia de tudo quanto era lugar, até policiais do BOPE – grupo de elite da polícia militar – se faziam presentes para o último adeus ao meu irmão. Era visível a consternação nas faces das pessoas, ninguém conseguia entender como uma morte estúpida havia ceifado a vida de uma pessoa tão cheia de vida e com tanto vigor.
Viaturas de diversas delegacias lotavam o pátio do estacionamento da capela e tão logo chegamos fomos literalmente abraçados pela família “pol”. Viaturas foram colocadas à nossa disposição e apesar do Marcio também ser policial e integrante do grupo de elite da polícia civil de Brasília, no DF, policiais fortemente armados faziam a nossa segurança e dos demais presentes.
Nossa única preocupação foi a de consolarmos uns aos outros. Agora era somente eu e o Marcio. A polícia civil arcou com todos os trâmites e despesas do funeral. Se me perguntarem o custo de uma coroa de flores eu não saberia responder. Eram várias em sua capela. O enterro do meu irmão parecia o de uma alta autoridade, o local onde seu corpo estava sendo velado era o mais belo da cidade. Mesmo tendo falecido por embolia pulmonar em um hospital público, a delegada titular da delegacia de homicídios determinou que o corpo fosse enviado ao Instituto Médico Legal para realização de necropsia e um inquérito policial foi aberto para se averiguar as circunstâncias e eventuais responsabilidades.
Na verdade, essa breve narrativa é uma justa, mas aquém homenagem à Polícia Civil do estado de Mato Grosso. A corporação que meu querido irmão fazia parte e tanto amava fez juz ao amor que por ela ele sentia. Os homens e mulheres de preto não deixaram escapar nenhum detalhe. Tudo estava perfeito, exceto a presença da morte e da dor que sentíamos e que jamais nos abandonará.
Confesso que para mim está sendo muito difícil escrever, mas pedi forças a Deus para que através deste texto pudesse agradecer a cada policial, a cada autoridade em suas determinações para que as circunstâncias da morte do meu irmão fossem apuradas e esclarecidas, e sobretudo pelo o amor de todos vocês pelo nosso querido “Júnior” o que ficou bastante claro pelas atitudes tomadas e pelo carinho a nós dispensado. Muito obrigado!
Por último, espero um dia voltar a Cuiabá e abraçá-los pessoalmente, talvez demore um pouco, mas estejam certos que nunca iremos esquecê-los. Fiquem com Deus e até breve.

Bom Jesus do Norte (ES), 24 de novembro de 2011

Marcelo Adriano Nunes de Jesus