domingo, 31 de outubro de 2010

OS SEM LIMITES

Confesso que havia desistido de escrever minhas impressões de mundo e das pessoas à minha volta. As razões para isso foram várias, e não vou me deter nelas agora. Mas por outro lado, como não me manifestar ante tantas inversões de valores e mesmo de (ir) responsabilidades? Recentemente numa conversa informal com uma eminente e importante personalidade do município em que moro, fui levado, após profunda reflexão, rever minha decisão primeira.
Assim sendo, com gratidão e carinho, dedico este texto a essa pessoa, que com sua lucidez e saber, me fez perceber que apesar dos riscos, a luta continua.
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Quem definiu a barreira do amor? Quem definiu o limite entre a razão e a loucura? O sensato do insensato? Qual a fronteira entre esses termos?
Tendo estas questões como pano de fundo e evitando-se ao máximo o anacronismo, façamos uma comparação da sociedade brasileira em seus aspectos sociais e culturais das décadas de 1960 e 2000 para tentar chegarmos a uma conclusão sobre um recente evento que envolveu nas páginas policiais dos jornais cariocas, uma relação amorosa entre uma professora e sua aluna menor de idade.
Os anos de 1960 foram marcados principalmente pela ideia de emancipação e liberdade dos jovens e também a expectativa de uma Terceira Guerra Mundial. Nos Estados Unidos assistimos o movimento Hippie tecer duras críticas à Guerra do Vietnã (1959-1975) e também ao American Life Way, modelo de vida que logo foi importado para todo o mundo, principalmente para a América Latina e mais intensamente para o Brasil.
Em 1968 o mundo foi novamente sacudido pelo movimento estudantil que teve na capital francesa o epicentro que balançou as estruturas mundiais da cultura e se espalhou por todo o mundo com o lema “é proibido proibir”.
O Brasil não estava alheio a essas e a outras questões, apesar estar vivenciando uma ditadura militar (1964-1985). Sem dúvidas que o espírito do “modo de vida americano” era muito presente em nosso meio. Jovens com suas lambretas e jaquetas de couro ao som da Jovem Guarda e do Rock N’ Roll agitavam as ruas das cidades brasileiras e foram às ruas protestar contra a morte do estudante Edson Luiz, assassinado pelo Departamento de Ordem Política e Social – DOPS, no Rio de Janeiro, em 28 de março de 1968.
Naquela época se casava muito cedo, principalmente as meninas. Minha mãe, por exemplo, casou-se aos quinze anos e meu pai tinha vinte e seis. Nesse aspecto, a história da maioria das pessoas da minha geração é bastante parecida com a minha, ou seja, homens mais velhos se casavam com meninas mais novas. Entretanto, havia um detalhe muito importante no período: os pais educavam. Ver uma mulher de biquíni na praia era quase um atentado violento ao pudor. Namorar? Só em casa, e na rua, apenas com a presença de um irmão ou irmã mais velhos ou na ausência destes, de uma tia ou alguém de muita confiança da família. Chegar em casa com um objeto “achado” na rua era motivo de explicações, e se elas não fossem convincentes, a surra era certa. Pedidos de abençãos eram comuns aos pais e aos mais velhos. Assistir um idoso na rua carregando uma bolsa pesada e não se prontificar ajudá-lo era um pecado.
Infelizmente muita coisa mudou de lá pra cá, a começar pelo próprio conceito de liberdade e a um Estatuto a meu ver bastante equivocado: refiro-me ao Estatuto da Criança e ao Adolescente. Não afirmo isso por julgar o cerceamento às liberdades dos jovens necessário nos dias atuais, ao contrário, acho que a liberdade deve ser uma conquista diária, mas não plenamente outorgada como vemos hoje. Existe uma diferença enorme entre uma coisa e outra. Hoje, em sua maioria os pais não educam, ao contrário, deseducam. Oferecem bebidas alcoólicas aos seus pupilos, incentivam a violência, fazem “vista grossa” aos saltos agulhas, maquiagens excessivas e minúsculas saias, shorts e camisetas que suas filhas usam, acham bonitinho a menina dançando “na boquinha da garrafa”. Consideram “normal” o adolescente ficar horas e horas a fio em frente a uma tela de computador sem se preocupar com o conteúdo que o filho está acessando ou com quem está conversando, enquanto suas notas escolares despencam, mas quando acontece alguma coisa trágica com eles, logo correm e colocam a culpa na sociedade. A sociedade são vocês. A sociedade somos nós.
Nesse contexto, não teria sido a professora acusada de estupro a seduzida pela menor que agora é a coitadinha da história? Quem garante que não foi? Não quero com isso minimizar ou fomentar a culpa ou dolo de quem quer que seja afinal, não sou promotor de justiça nem tampouco juiz de direito, mas, basta dar uma olhada em nossa juventude e constatar. Além disso, pelo que os jornais noticiam, (Extra, 31/10/10) a mãe da menina envolvida nessa trama é “entendida”, ou seja, gosta e convive com uma pessoa do mesmo sexo. Não que isso justifique a eventual conduta da professora, mas qual o exemplo que essa menina tem dentro da própria casa? Nada contra as opções sexuais das pessoas, ao contrário, sou favorável ao amor livre, mas quando se opta por algo “diferente”, os resultados têm que estar além, muito além, das expectativas da sociedade. Não adianta fugir da responsabilidade que lhe cabe. Em tais situações, mais que nunca é preciso estar atento aos próprios movimentos.
Amor, sensatez, loucura, certo, errado, gays, lésbicas, nessas horas esses substantivos fazem parte das rodas de conversas nos bares, nas escolas, nas igrejas, nos mercados, nas esquinas, mas em sua maioria sem nenhuma base sólida para uma discussão que se pretenda séria e isenta de pré-conceitos. É o chamado senso comum. E que emburrece.
Como professor, eu, assim como todos os meus colegas, assistimos cenas cotidianas nas escolas que fariam padres, pastores, pais de santo, juízes e promotores se arrepiarem se vissem o que vimos. São verdadeiros absurdos. Quando chamamos os pais às escolas para noticiar desvios de conduta e personalidade e solicitar sua ajuda exatamente para proteger a criança, alguns querem transferir para nós a responsabilidade que é deles de educar. Fazemos o possível e o impossível para fazer valer o direito constitucional desses jovens que é justamente a proteção contra qualquer ameaça ou abuso, mas se o mau exemplo está dentro da própria casa, do próprio lar, e tanto pais quanto alunos consideram normais suas condutas, o que nos resta fazer? Quando os próprios alunos menores de idade consideram “certo” dirigir veículos automotores porque seus pais acham isso correto, o que dizer? A discussão em torno do tema é muito extensa. Considero leviano abordar apenas a questão legal, é preciso buscar fundamentos sociais, culturais e históricos para se fazer uma abordagem que se pretenda isenta. Mas fica uma pergunta: onde erramos?
Para se ter uma ideia da dimensão do problema, dias desses um jovem de 17 anos, alto, forte, em plena aula virou-se para mim e indagou: -“professor, seu eu te desse uma “porrada” (sic), o que você faria?” - , A minha resposta foi contundente: -“ você já ouviu falar em legítima defesa? – Perguntei. Pois é, legítima defesa é quando você reage a uma injusta agressão ou na iminência dela ocorrer. Assim sendo, eu usaria dos meios necessários para cessar a sua agressão.” Aí ele disse sorrindo: -“ ah, professor, mas eu sou dimenor (sic) –“. Pois é, respondi novamente. Mostraria na prática que se você tem direitos tem na mesma proporção obrigações – Conclui.
Então é isso que acontece em milhões de salas de aula Brasil afora. Adolescentes que conhecem muito bem seus direitos, mas se esquecem ou não sabem ou ainda não querem saber de suas obrigações, seja como filho, aluno, colega ou cidadão.
Que nosso ofício cada vez mais é desvalorizado isso não é novidade e também não é o eixo central de nossa discussão aqui hoje, mas alguma coisa tem que ser feita pelo Poder Público para nos dar mais tranquilidade para podermos trabalhar com o mínimo de segurança, nem falo mais de dignidade, pois esta, definitivamente não está mais nos planos do Estado.
O que acontece hoje é que se um aluno menor de idade, insatisfeito com uma nota recebida a qual ele próprio fez por onde receber chegar numa delegacia de polícia e “inventar” que foi molestado ou molestada por um professor ou professora, coitado desse profissional. Até explicar que nariz de porco não é tomada, será retirado de sala de aula algemado e provavelmente nunca mais vai se recuperar de tamanha vergonha. Ser professor hoje em dia é correr riscos, não só de vida, mas também de liberdade.

A luta continua.

Marcelo Adriano Nunes de Jesus – 31/10/2010