Posso dizer que sempre gostei de assistir aos programas eleitorais gratuitos que de quatro em quatro anos invadem nossos lares. As razões para esse mórbido prazer são várias, mas foi exatamente num desses programas que volvi meu olhar para a minha atual condição.
Sentado no sofá de minha casa assistindo à tv, apareceu um casal narrando todas as suas dificuldades de vida. Tratava-se de um pedreiro e sua respectiva esposa, uma diarista da Bahia. No programa, eles falavam da precariedade que eram suas vidas antes do atual governo. Segundo eles, em oito anos tudo mudou em suas vidas. Mesmo sem estudos, passaram a ter emprego, casa própria, um carro relativamente novo, sua filha possuía notebook, enfim, uma vida normal como todos deveriam ter, bem “Alice no País das Maravilhas”.
Não pude deixar de fazer uma comparação daquela narrativa com a minha própria vida. Sou professor com curso de especialização e mestrado incompleto - ou estudava ou trabalhava -, e vivo na permanente perspectiva do nada, apesar de continuar estudando. Não tenho casa própria, meu carro me foi presenteado pelos meus tios, minhas filhas igualmente não possuem casa própria muito menos computador portátil. Não posso ajudar minha filha mais velha a pagar um cursinho pré-vestibular e todo mês é a mesma coisa: meus tios mandando dinheiro para que eu possa sobreviver porque meu salário é insuficiente.
Em julho último adoeci, e se não fossem meus tios e meu irmão não sei o que seria, pois o hospital cobrou um depósito de valor bem alto para a minha realidade para fazer o procedimento cirúrgico, já que meu plano de saúde se encontrava em carência e o cirurgião não atendia pelo SUS, além de não haver tempo para buscar outro hospital ou os tribunais para resolver a lide.
Recentemente fui convocado em um outro concurso que prestei para professor do Estado do Rio de Janeiro. Fui levado a desistir porque os colégios que me foram oferecidos em Campos (RJ) tornavam impossível assumir aquela matrícula. Isto porque teria de percorrer 250 quilômetros por dia para dar aula, sendo que deveria ir três vezes por semana àquele município, ou seja, o salário de setecentos reais brutos ficaria todo na estrada gastos com pedágios, combustível e alimentação.
Imaginei que já que tenho uma matrícula no estado haveria a possibilidade de uma remoção para o município em que estou lotado, mas a inércia aliada à má vontade dos funcionários da Coordenadoria que me apresentei, tornaram impossível qualquer modificação no que me fora apresentado: ou aceitava e daí após três anos tentava a remoção, ou desistia. Optei pela segunda opção.
Realmente meus valores são outros. Não sonho com carrões, viagens maravilhosas, mansões, nada disso. Sonho como qualquer brasileiro simples. Sonho em ter dignidade, o que me falta hoje. O estado não apoia o professorado em nada. Não existe nenhum fomento à qualificação do servidor, à parte aqueles que atendem única e exclusivamente os interesses do próprio estado, ou seja, cursinhos de informática para que o professor tenha mais uma atribuição: lançar as notas dos alunos no sistema e com isso extinguir o cargo de secretária escolar. Bravo! No Rio de Janeiro, por exemplo, não existe um programa de apoio ou incentivo aos professores que desejam especializar-se em cursos de mestrado ou doutorado, acredito que essa também seja a realidade de todos os estados brasileiros e do distrito federal.
Com tudo isso, esses programas eleitorais – à parte as inúmeras mentiras veiculadas - têm me auxiliado na construção de uma nova convicção: abandonar o magistério, o que não ocorrerá sem dores, pois amo a minha profissão, mas em breve vai acontecer independente dos resultados que estou aguardando.
Gostaria de deixar consignado que não sou porta-voz e não represento a classe dos professores. Represento a mim mesmo. Ademais, não se pode falar em classe quando há ausência de consciência, referindo-me aos ensinamentos do velho Marx e que são bastante pertinentes ao quadro.
Não obstante, parece-me também que quase nada do que ajudamos a construir em salas de aulas é aproveitado pelos destinatários como deveriam. É comum ouvir pessoas dizendo que não votarão em fulano ou sicrano porque suas chances de vitória são praticamente nulas. É muito triste para um professor, seja ele de qual área for, ouvir uma coisa dessas. Se meus candidatos têm ou não chances de vitória são as urnas que dirão. Não acredito em pesquisas de opinião, ainda que em muitos casos elas reflitam fielmente o povo brasileiro. Cada povo tem o governo que merece.
Por fim, independente do que eu venha a fazer, será feito com a maior dignidade e zelo, mesmo que eu opte em colocar uma carrocinha de cachorro-quente na esquina, ideia que não descarto. É preciso coragem para mudar. Quando assinei a desistência da segunda matrícula, muita gente comentou entre os cantos que eu era louco em abandonar uma matrícula no estado, para eles eu digo que louco é quem me diz e não é feliz, eu sou feliz, só me falta dignidade.
A Luta Continua.
Marcelo Adriano Nunes de Jesus
7 de setembro de 2010
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