sábado, 18 de abril de 2009

PÃO, CIRCO E A VERDADE

Durante o período histórico conhecido como Antiguidade eram comuns as pessoas se reunirem no Coliseu romano para assistirem aos espetáculos patrocinados pelo Estado.

Entretanto, muitos daqueles eventos que lá ocorriam, nada tinham de belo ou romântico, ao contrário, ali, os cidadãos iam para ver a “morte espetáculo”, o que causava um certo prazer e satisfação aos espectadores. A dor alheia era algo buscado por uma boa parte das pessoas que para lá se dirigiam, sentimento este que não chegou ao fim junto com a queda do Império no séc. V, ao contrário, atravessou o tempo e permanece até hoje entre nós.

                Soa estranho, mas as tragédias dão sempre muito “ibope”, o que indica que uma parcela significativa da sociedade ânsia por notícias em relação ao tema, haja vista um número incontável de jornais que exploram justamente as mazelas alheias serem os periódicos mais vendidos em todo o Brasil. O que justifica tal interesse?

                Um outro ponto não menos importante e talvez mais grave nessa análise, é que culturalmente no Brasil o suspeito de ter cometido um delito é, na maioria das vezes, considerado por essa mesma sociedade que se diz “lutar por Justiça”, como sendo “culpado”, ignorando-se assim, completamente a Constituição, os Tratados, as Convenções e a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos.

                A nossa Lei Maior preconiza que todos têm direito à ampla defesa e ao contraditório, fato que parece ser ignorado por uma boa parte dos meios de comunicações que acabam expondo na mídia não tão somente a vida dos suspeitos, mas à reboque, também de seus familiares, os quais na maioria das vezes, absolutamente nada têm a ver com o caso, mas que em função da falta de responsabilidade e critério na forma como as notícias são divulgadas, também são antecipadamente punidos. Crianças são ridicularizadas por coleguinhas nas escolas, adolescentes são excluídos das suas tribos, famílias são segregadas, enfim, instala-se o caos e a vergonha nessas famílias. Isso é democracia?

                É certo que quem comete um ilícito deve responder por ele, independente de quem quer que seja, isso é fato, mas daí a exposição a público de pessoas que são meramente suspeitas e suas famílias vai uma grande diferença, o que me faz refletir acerca do sentido da democracia presente no pensamento de Espinoza.

                Ainda hoje muito se tem falado a respeito da denúncia de improbidade administrativa que envolveu alguns magistrados do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, fato este que realmente merece ser apurado com todos os rigores da Lei e os envolvidos, se comprovado o dolo, punidos exemplarmente, sobretudo em se levando em conta que o Judiciário talvez seja uma das instituições dentre os Três Poderes que ainda goza da confiança por boa parte da população brasileira, pois raramente vemos seus membros envolvidos em episódios tão tristes quanto esses que o envolveram.

                Mas também existe uma outra questão que não foi explorada pela mídia, talvez por não ser “vendável”. Alguém já parou para pensar se o que ocorreu no TJES foi uma retaliação a uma decisão daquele Egrégio Tribunal contrária a interesses outros e que talvez tenha desagradado a outros interesses? É possível.

                Recentemente, vários juízes do Brasil assinaram um manifesto de apoio ao juiz federal Fausto de Sanctis, inclusive do Espírito Santo, por conta dos desdobramentos da Operação Satiaghara da Polícia Federal. Pode até ser uma idéia surreal, mas que ainda assim não pode ser completamente descartada, pelo menos numa perspectiva microfísica de Foucault.

                Por fim, não estou aqui advogando nem favor nem contra nenhum dos envolvidos no caso, mesmo porque não sou técnico da área de Direito, mas não posso aceitar passivamente que parte da população forme sua opinião pautada apenas em juízos de valores criados por meios de comunicações, alguns sem critério ético, daí minha insatisfação. É importante refletir, analisar para não se incorrer no erro de se cometer injustiças. Erros são cometidos, afinal somos humanos e nessa condição muitos ainda haveremos de cometer, porém, é necessário que não permaneçamos no “Pão e Circo” como parecem querer alguns, o que se traduz na omissão na elaboração de um juízo crítico acerca das coisas. Talvez esse seja um dos piores erros humanos.

                É imprenscindível seguir na busca da verdade que está nas entrelinhas dos discursos.

               

                                                                              A luta continua.

                                                                                                                                                                                                                                          

                                                               Marcelo Adriano Nunes de Jesus.

 

 

 

 

 

 

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Lições de Cidadania no Colégio Estadual Marcílio Dias - Carabuçu - RJ.

                              Com esse lema, a direção do Colégio Estadual Marcílio Dias, localizado em Carabuçu, Nororeste do estado do Rio de Janeiro tendo à frente as professoras Maria Estela e Helena, vêm fazendo um belo trabalho junto aos alunos no sentido de fazer com que eles aprendam fazendo, apoiando todos os projetos nesse sentido.

            Desde o ano de 2008, reiteradas campanhas vem sendo feitas naquele espaço com o intuito de levar aqueles que estão numa situação por deveras complicada, um pouco de esperança e mais, alimentos, roupas e brinquedos, como foi a campanha para os desabrigados de Santa Catarina a qual teve a nossa singela participação, além de inúmeras outras no decorrer daquele ano.

            Durante o ano letivo, bimestralmente é feita a “Campanha do Quilo” entre os alunos do Ensino Fundamental e Médio, e que consiste num quilo de alimento por aluno que evidentemente possa contribuir. Muitos trazem bem mais que um quilo, o que confere sucesso total a campanha.

            Certamente que por mais que se faça, críticas existem, mas para aqueles que se ocupam em criticar maldosamente, sugiro aos mesmos que eles deveriam levantar uma bandeira – seja ela qual for - , e fazer a parte que lhe compete, e não perder tempo em apontar os erros, os quais certamente existem, mas que ao invés disso, venham somar, e não diminuir.

            Só quem trabalha com o social sabe dos inumeráveis dramas vividos pelas pessoas nessas condições. Mais importante do que a felicidade e o empenho dos alunos em ajudar, é a grata satisfação em saber que ainda que minimante, conseguimos levar um pouco de felicidade às pessoas através das nossas ações.

            Na verdade, isso não deveria acontecer, mas já que o problema existe, não adianta ficar apontando culpados  - a História está cheia deles - , não podemos deixar  que tudo seja resolvido pelo Estado, pelo menos nós, enquanto professores, temos a OBRIGAÇÃO de ir além dos conteúdos escolares, os quais diga-se de passagem, não contemplam a Ética e Cidadania enquanto disciplinas obrigatórias, o que é lamentável, mas mesmo assim,  somos responsáveis pela reprodução de erros quando nos limitamos ou nos omitimos naquilo que poderíamos e deveríamos fazer melhor.

            Por último, que o mundo saiba que mesmo num local distante da capital, com uma população predominantemente rural e pobre, conseguimos, ainda que paliativamente, resolver os dramas de algumas pessoas, e vamos continuar fazendo.

            Parabéns ilustres diretoras, em acreditar, permitir e tornar possível nosso trabalho. Muito obrigado!

            Parabéns, queridos alunos e alunas em trazer para o concreto, aquilo que nós aprendemos no abstrato. Sem vocês, nada disso seria possível.

 

Outono de 2009.

 

                        A LUTA CONTINUA.

 

         Marcelo Adriano Nunes de Jesus

            







quarta-feira, 1 de abril de 2009





                DIÁLOGOS, MAS NÃO É O DE PLATÃO.

 

 

            Dizem as más línguas que o Brasil é o país campeão em termos de preconceitos e desconhecimento histórico, o que de certa forma se confirma ao verificar as últimas declarações do nosso presidente que colocou a culpa da atual crise mundial nos “homens brancos e de olhos azuis” além de outras opiniões tresloucadas que se entreouvem por aí.

            Guardadas as devidas proporções, dias desses numa dessas intermináveis filas bancárias em que eu estava apenas para buscar uma informação, não pude deixar de ouvir um diálogo entre duas senhoras acerca de um grupo de ciganos que há dias havia chegado à cidade.

            Eis um trecho da conversa.

            - “Maria”, você viu que coisa horrível?! Como se já não bastassem às várias pessoas estranhas que têm aparecido por aqui, agora apareceu um povo meio esquisito, com dentes de ouro e umas roupas meio  estranhas, acho que devem ser ciganos.

            - Ah, sim, eu vi, e você está certa, são ciganos. Inclusive ontem pela manhã a polícia foi chamada para “revistar” um grupo que estava aqui na esquina, ao lado da farmácia lendo as mãos de algumas mulheres. Vê se pode, tanto lugar para essa gente se “achegar” e eles resolveram vir pra cá! A polícia está certa, tem que revistar, prender e de preferência mandá-los baixar noutra freguesia, pois ouvi dizer que são todos ladrões.

            - É verdade, mas eles estavam roubando alguém?! - perguntou a primeira -.

            - Não, mas por via das dúvidas é melhor prevenir do que remediar.

            - Você tem razão, que coisa!.

            Confesso que esse diálogo mexeu um pouco comigo, sobretudo ao notar que as mulheres estavam bem vestidas e demonstravam poucos erros de português em suas falas, o que denota uma certa instrução. Mas, independente do grau de escolarização e de como as pessoas estão vestidas, considero um absurdo em pleno século XXI - com tantas informações disponíveis e acessíveis - as pessoas ainda nutrirem preconceitos ainda mais em relação à cultura de um povo. Será que elas desconheciam o fato do Brasil ter tido dois Presidentes que foram ciganos, Washington Luis e Juscelino Kubitschek? Pensei.

            O fato, é que no dia seguinte a esse diálogo, fui ao meu “laboratório”, reuni as turmas do 8° e 9° anos do ensino fundamental e disse-lhes que naquela semana iríamos fazer um trabalho de campo; um estudo sobre a cultura cigana e que tinha por finalidade melhor esclarecê-los no sentido de se evitarem injustiças com o desconhecido, afinal, não é todo dia que se tem uma oportunidade como essa.

            Ante a empolgação dos adolescentes com o tema e após insistentes pedidos para fazermos logo o trabalho, resolvi atende-los e fazer a visita ao acampamento naquele mesmo dia.

            Dividi os grupos, passei algumas instruções finais e seguimos nossos “destinos” rumo ao desconhecido.

            Dirigi-me ao primeiro cigano que avistei na entrada da Usina Santa Isabel. Era um homem de meia idade, porém muito educado e solícito.

            - Bom dia, senhor, disse-lhe. Estou com um grupo de alunos do Colégio Estadual Alcinda Lopes Pereira Pinto e gostaria de saber com quem devo falar para pedir uma autorização para fazer uma entrevista com os moradores do local.

            - Ah, sim, bom dia! O senhor pode falar com o “seu” Moacir, ele está sentado bem ali, disse-me apontando o local.

             Agradeci, chamei os alunos e fomos juntos ao encontro do “seu” Moacir.

            - Bom dia, senhor, disse-lhe.

            - Bom dia, retrucou. A que devo a honra de tão bela visita – perguntou -?

            Após me apresentar e explicar-lhe a que tínhamos ido, com uma amabilidade e paciência incríveis, o senhor Moacir respondeu a todas as perguntas que lhe foram dirigidas bem como autorizou nossa visita as várias barracas existentes no local, – desde que também fossem autorizadas pelos moradores –, o que foi permitido por todos, além do fato  de poder  fotografar o que considerássemos importante para o nosso trabalho e entrevistar quem quiséssemos.

            Confesso que foi um grande aprendizado, tanto para mim quanto para os alunos, que a partir daquele instante passaram a enxergar os ciganos com outros olhos; com os olhos da verdade, e não mais com os olhos da superstição e do “ouvi dizer”. Descobrimos muitas coisas interessantes, entre elas, a que qualquer um pode se tornar um cigano, assim como qualquer cigano pode deixar de sê-lo, para isso bastando querer. Admito que desconhecia esse e vários outros detalhes que nos foram passados.

            Outra coisa que também chamou muito a nossa atenção foi a limpeza e o cuidado das mulheres no trato com os utensílios de cozinha. Nunca houvera visto panelas tão brilhantes em minha vida, nem quando novas.

            Um outro fato não menos importante e que também é do desconhecimento de muitos, diz respeito a  religião: se denominam católicos, mesmo  mantendo algumas das suas tradições, como a crença na reencarnação, no destino etc. Mas soube também, que eles se tornam adeptos da religião predominante do lugar aonde estão, isso no caso de ciganos que vivem na Europa, Ásia e África, mas são sempre monoteístas Fiquei tentando imaginar vários ciganos dentro de uma Igreja Católica num domingo de missa. taí uma cena que adoraria presenciar, ainda que em Bom Jesus tivéssemos tido um padre que fora cigano, conforme o caso hoje do monsenhor Paulo Pedro, o qual levava muitos ciganos para o interior da Igreja.

            Entretanto, para assistir a uma missa, eles têm que se “disfarçar”. Passando esmaltes brancos nos dentes para esconderem os de ouro e também usando roupas convencionais para não serem notados. Fazem isso provavelmente para evitar constrangimentos e preconceitos. Deve ser horrível ter que se passar por outra pessoa para poder ao menos rezar em paz!

            Entretanto, sabe-se que a Igreja prega a fraternidade entre os povos e é totalmente contra qualquer tipo de discriminação. O fato, é que essa atitude de alguns ciganos se deve a algum caso isolado ocorrido numa dentre milhares de Igrejas.

            Numa das minhas perguntas ao chefe do grupo, fui bem direto ao assunto, perguntei  como eles faziam para sobreviver. Se existiam falcatruas ou golpes contra os incautos dentre outras coisas do gênero.

            Foi quando ele me respondeu:

            - Meu filho, as pessoas têm o livre arbítrio, a gente educa. Eu tenho pouco estudo, mas aprendi na escola da vida, que é a mais completa de todas, - disse o senhor Moacir do que silenciosamente concordei. E continuou -,  que tudo o que aqui se faz, aqui se paga. Deus não dorme, são esses valores que passamos de geração a geração para os mais novos, mas é possível que haja ciganos que pratiquem o mal, assim como existem maus médicos, maus policiais, maus professores, maus pais, etc. e com os ciganos não é diferente, existem grupos rivais sim, mas que raramente se enfrentam, preferem se evitar.

            - Respondendo a sua pergunta de forma mais direta, - continuou - aqui não prejudicamos ninguém, mas vou te falar uma outra coisa, – e apontou para o meu tênis -. Se eu te ofereço trinta reais pelo seu sapato, você me vende, e lá na frente eu vendo por sessenta, prejudiquei alguém? Perguntou.

            - Não, absolutamente, - respondi -.

            - Pois então, sobrevivemos de trocas, compra e venda. O mundo é dos mais sabidos, disse sorrindo, mas sem nenhuma maldade na sua fala ou no seu olhar.

            - E quanto às mulheres - perguntei - o que fazem?

            - As mulheres são responsáveis pelo sustento da família através das adivinhações. Cuidam da casa e dos filhos, mas os homens também contribuem através do comércio.

            - Ah, sim, disse-lhe concordando com a cabeça. Então são as mulheres as grandes responsáveis pelo sustento da família! Interessante, pensei.

            Por fim, ao contrário do que muitos pensam, os ciganos são um povo muito pacífico, nunca se envolveram em polêmicas criadas por eles próprios. As polêmicas são criadas pelos outros que consideram sua cultura superior a deles, como se isso fosse possível. É um dos poucos povos do mundo que nunca se envolveram em nenhum tipo de guerra. Vagam pelo mundo há milhares de anos e não há nenhum registro histórico que faça menção a qualquer tipo de violência que por eles tenham sido praticados. Ao contrário, na história recente da humanidade, foram eles quem sofreram os maiores horrores durante o Holocausto, mas muito pouco é dito sobre esse episódio, mesmo nos livros didáticos de História, o que é lamentável. As razões dessa amnésia da História? Assunto talvez para um próximo texto, mas estejam certos, elas existem.

            É como dizia Saint Exupéry: “só se vê bem com o coração, o essencial é invisível para os olhos”. Noutras palavras, só se respeita àquilo que se conhece, então, que esse texto, mesmo sem o rigor acadêmico, sirva para iluminar a “Carverna de Platão” a qual uma boa parte dos homens vivem..

 

  

                                               A luta continua.

                                                          

 

 

                                   Bom Jesus do Norte, 30 de Março de 2009.

                                          

 

 

                                      Marcelo Adriano Nunes de Jesus.