quarta-feira, 28 de outubro de 2009

REFLEXÕES ACERCA DA PENA DE MORTE

Desde o surgimento do homem e sua organização em grupos sociais, a pena capital faz parte da sua rotina. Desde a Antiguidade, a condenação à morte foi utilizada ora como manobra política, como no célebre assassinato do filósofo Sócrates e do político Julius César, ora como ritual religioso das civilizações pré-colombianas, como incas, maias e astecas.

A condenação mais conhecida do mundo ocidental é a de Jesus Cristo, que apesar de ter vivido no oriente, foi crucificado tão somente por ter apresentado ao mundo uma nova maneira do homem perceber a si mesmo, o mundo e Deus.

Paradoxalmente, durante toda a Idade Média (476-1453), centenas de pessoas foram mortas pela Igreja Católica apenas em função de não concordarem com os dogmas cristãos ou ainda por apresentarem formas diferentes de perceber o mundo.

Nesse contexto, na Itália do século XV, um moleiro de nome Menocchio, desafiou os poderes da Inquisição afirmando que a origem do mundo estava na putrefação. Segundo Menocchio, tudo era um caos, ou seja, a terra, a água ar e fogo juntos, e de todo aquele volume em movimento se formou uma massa, do mesmo modo que o queijo é feito do leite, e do qual surgem os vermes, e esses foram os anjos. Por pensar diferente de seu tempo, Menocchio[1] foi condenado à morte exatamente pela guardiã dos Dez Mandamentos.

Portanto, nota-se que o tema pena de morte é por demais delicado, ou seja, por mais que se crie um discurso em prol da vida, a história está repleta de exemplos contraditórios nessa direção. No Irã, por exemplo, país muçulmano, a forma mais comum de se matar um condenado à pena de morte é pela via da lapidação, ou seja, à pedradas.

O Brasil também vivenciou a pena capital. Além de Joaquim José da Silva Xavier – o Tiradentes - e muitos outros, o último condenado à morte foi o fazendeiro Manoel da Motta Coqueiro[2], que por conta de um erro judicial teve sua sentença de morte assinada pelo então imperador D. Pedro II em março de 1855. Entretanto, a prática só foi efetivamente abolida após o Golpe da República de 1889.

Nossa Lei Maior[3] no seu artº 1º diz que o Brasil “...constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos” a dignidade da pessoa humana além de outros incisos.

Entretanto, apesar de fazer parte do Protocolo da Convenção Americana de Direitos Humanos que luta pela abolição da pena de morte no mundo, o qual fora ratificado em 1996, o Brasil é o único país de língua portuguesa a manter em sua Constituição a pena capital, ...” não haverá penas: a) de morte, salvo em casos de guerra declarada, nos termos do art 84 inciso XIX...”

Mesmo que seja uma hipótese excepcional e muito restrita, funciona como cautela à agressão estrangeira, sendo autorizada pelo Congresso Nacional ou por ele referendada (art 84, XIX). Ainda que o objetivo da pena de morte, nesse caso especial, seja a soberania da República Federativa do Brasil, está clara a contradição, pois nesse particular rompem-se princípios humanitários internacionais tolerando-se excessos, em nome de uma força intimidativa, pois desobediências numa guerra podem conduzir ao massacre de milhares de vidas.

A possibilidade de erros judiciários – muito comuns -, que mesmo reconhecidos posteriormente não trazem a vida de volta porque são irreparáveis. Comprovação estatística prova que a pena capital não diminui a criminalidade, ao contrário, em alguns casos a faz aumentar.

Além disso, existe a questão humanitária, onde a direito penal moderno não nega que em todas as relações humanas o valor principal é a vida, mesmo que o criminoso tendo cometido crimes hediondos e com requintes de crueldade, o Estado não tem o direito de interromper a vida de quem quer que seja, porém, mais absurdo do que encontrar respaldo para imputar a pena de morte a uma pessoa, é justificá-la em casos onde haja guerras declaradas, pois a simples desobediência a uma ordem que independente de legal ou não, absurda ou coerente e que a pessoa se recuse a cumpri-la, ampara o Estado na sua execução.

Outubro - 2009

Marcelo Adriano Nunes de Jesus

A luta continua.



[1] GUINSZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. Rio de Janeiro: Companhia das Letras

[2] GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. Max Limonad: São Paulo, 1980, t 1 p. 132

[3] Constituição da República Federativa do Brasil, 1988

domingo, 25 de outubro de 2009

A NOBREZA POR PRINCÍPIO ÉTICO.

Cheguei à conclusão que as verdades filosóficas têm que ser apreendidas de uma forma e aplicadas de outra. Para não confundir rigor com rigidez, é fértil considerar que a filosofia não é somente uma exclusividade desse competente e titulado técnico chamado filósofo. Nem sempre ela se apresenta em público revestida de trajes acadêmicos cultivada em viveiros protetores contra o perigo da reflexão: a própria crítica da razão de Kant, com todo o seu aparato tecnológico, visava, declaradamente, libertar os objetos da metafísica do monopólio das escolas.

A natureza humana é mista, ou seja, não é fundada apenas na razão, mas de razão e sensibilidade. Sendo assim, permanecerá sempre uma empresa inútil a de querer apenas elevar o homem moralmente – isto é, racionalmente –, como pretendem alguns representantes de várias instituições, inclusive a escola. É preciso cultivar também a sua sensibilidade.

Visto dessa perspectiva, o homem em sentido pleno, empenha-se exatamente em dar vida às coisas que o cercam, em “libertar” os objetos que habitam sua sensibilidade, tornando possível um cultivo cada vez maior desta. O homem, assim destinado a aperfeiçoar a realidade, pode ser considerado um nobre. Onde quer que o encontremos, este tratamento aqui dispensado e esteticamente livre da realidade comum é o sinal de uma alma nobre. Deve ser dita nobre a alma que tenha o dom de tornar infinitos, pelo modo de tratamento, mesmo o objeto mais mesquinho. É nobre, toda forma que imprime o selo da autonomia àquilo que, por natureza é mero meio. Um ser nobre não se basta em ser livre; precisa por em liberdade tudo o mais à sua volta, mesmo o inerte.

Infelizmente, o capitalismo na sua forma mais cruel, não é percebido pela maioria das pessoas, e quando o é, elas fingem não vê-lo. É como aquele comercial em que uma criança de dentro de um carro ao ver uma outra criança abandonada na rua pergunta à mãe a razão daquilo, mas a mãe, ou não enxerga o problema ou finge não vê-lo. Essa é a forma como a maioria das pessoas faz a leitura do real: ignorando tudo aquilo que não lhe é conveniente e enxergando tudo aquilo que o é.

Diariamente pessoas saem de suas cidades em busca de oportunidades em grandes centros, principalmente nas capitais das regiões Sul e Sudeste. Entretanto, o grande problema dessas pessoas está na falta de escolarização e qualificação profissional, o que acaba se transformando num enorme obstáculo no acesso ao trabalho formal e consequentemente em seus sonhos de uma vida melhor e mais digna.

Recentemente Bom Jesus do Norte recebeu um casal nessas circunstâncias. Vindos do Rio de Janeiro após vagar infrutiferamente cerca de um ano na busca de seus sonhos, chegaram até aqui fazendo o caminho de volta. Trouxeram na bagagem apenas a frustração de não ter conseguido atingir suas metas e um filho na barriga, além de uma enorme vontade em voltar para casa, o que para eles naquele momento significava um sonho.

Saíram do agreste baiano com a esperança de dias melhores e alimentados pela falsa ideia propagada pelas tv’s em suas telenovelas de que o Rio de Janeiro é uma cidade de oportunidades para todos. Não é.

Após essa dura e triste constatação, resolveram voltar para sua terra natal e agora com um ser a mais que daqui a alguns meses estará no mundo e que vai precisar de um lar.

Sensibilizados e silenciosamente, a Prefeitura e o Judiciário da comarca iniciaram um movimento para ajudá-los. Enquanto os retirantes aguardavam ansiosamente a tão sonhada ajuda para retornar à Salvador, os nobres de Bom Jesus do Norte ajudavam como podiam: refeições e roupas limpas foram algumas das ações promovidas pelos moradores. A Prefeitura pagou a passagem do casal até Vitória e o Judiciário empenhou-se em encontrar uma solução para o resto que faltava.

Uma lista se formou para angariar fundos para custear o restante do percurso até Salvador e mais uma pequena ajuda para as despesas de viagem. Em três horas de iniciada, tinha-se todo o dinheiro necessário.

Não vou me referir aos valores individuais que foram doados, mas a vontade em ajudar, mesmo daqueles sem condições, deixa claro que os que puderam participar aprenderam muito bem a lição, pois para eles, tornava-se imprescindível tornar “libertos” aquele casal para que continuassem na busca de seus sonhos.

Hoje, Bom Jesus do Norte deu “vida” aquilo que a cercava imprimindo o selo da autonomia àquele casal, que a essa altura já deve ter chegado em casa; que não está mais na rua sujeito às intempéries e também à loucura.

Os nobres daqui usaram sua sensibilidade para atingir a razão, ou vice-versa. Talvez nunca saibamos a ordem em que ela se deu, se é que essa ordem existe e é importante.

Por último, dias atrás após tanto tempo em silêncio, minha filha mais velha me enviou um email. Nele, ela dizia que admirava a forma como eu “enxergava” a realidade. Respondi dizendo-lhe que a realidade é única, que não existe outra, mas sim, formas diferentes de se ver o mundo. Porém, para se ver bem é preciso olhar com a sensibilidade eternizada por Saint-Éxupèry: “Só sê vê bem com o coração, o essencial é invisível para os olhos”. Espero que ela tenha aprendido.

Outubro de 2009.

Marcelo Adriano Nunes de Jesus

A luta continua.