domingo, 25 de outubro de 2009

A NOBREZA POR PRINCÍPIO ÉTICO.

Cheguei à conclusão que as verdades filosóficas têm que ser apreendidas de uma forma e aplicadas de outra. Para não confundir rigor com rigidez, é fértil considerar que a filosofia não é somente uma exclusividade desse competente e titulado técnico chamado filósofo. Nem sempre ela se apresenta em público revestida de trajes acadêmicos cultivada em viveiros protetores contra o perigo da reflexão: a própria crítica da razão de Kant, com todo o seu aparato tecnológico, visava, declaradamente, libertar os objetos da metafísica do monopólio das escolas.

A natureza humana é mista, ou seja, não é fundada apenas na razão, mas de razão e sensibilidade. Sendo assim, permanecerá sempre uma empresa inútil a de querer apenas elevar o homem moralmente – isto é, racionalmente –, como pretendem alguns representantes de várias instituições, inclusive a escola. É preciso cultivar também a sua sensibilidade.

Visto dessa perspectiva, o homem em sentido pleno, empenha-se exatamente em dar vida às coisas que o cercam, em “libertar” os objetos que habitam sua sensibilidade, tornando possível um cultivo cada vez maior desta. O homem, assim destinado a aperfeiçoar a realidade, pode ser considerado um nobre. Onde quer que o encontremos, este tratamento aqui dispensado e esteticamente livre da realidade comum é o sinal de uma alma nobre. Deve ser dita nobre a alma que tenha o dom de tornar infinitos, pelo modo de tratamento, mesmo o objeto mais mesquinho. É nobre, toda forma que imprime o selo da autonomia àquilo que, por natureza é mero meio. Um ser nobre não se basta em ser livre; precisa por em liberdade tudo o mais à sua volta, mesmo o inerte.

Infelizmente, o capitalismo na sua forma mais cruel, não é percebido pela maioria das pessoas, e quando o é, elas fingem não vê-lo. É como aquele comercial em que uma criança de dentro de um carro ao ver uma outra criança abandonada na rua pergunta à mãe a razão daquilo, mas a mãe, ou não enxerga o problema ou finge não vê-lo. Essa é a forma como a maioria das pessoas faz a leitura do real: ignorando tudo aquilo que não lhe é conveniente e enxergando tudo aquilo que o é.

Diariamente pessoas saem de suas cidades em busca de oportunidades em grandes centros, principalmente nas capitais das regiões Sul e Sudeste. Entretanto, o grande problema dessas pessoas está na falta de escolarização e qualificação profissional, o que acaba se transformando num enorme obstáculo no acesso ao trabalho formal e consequentemente em seus sonhos de uma vida melhor e mais digna.

Recentemente Bom Jesus do Norte recebeu um casal nessas circunstâncias. Vindos do Rio de Janeiro após vagar infrutiferamente cerca de um ano na busca de seus sonhos, chegaram até aqui fazendo o caminho de volta. Trouxeram na bagagem apenas a frustração de não ter conseguido atingir suas metas e um filho na barriga, além de uma enorme vontade em voltar para casa, o que para eles naquele momento significava um sonho.

Saíram do agreste baiano com a esperança de dias melhores e alimentados pela falsa ideia propagada pelas tv’s em suas telenovelas de que o Rio de Janeiro é uma cidade de oportunidades para todos. Não é.

Após essa dura e triste constatação, resolveram voltar para sua terra natal e agora com um ser a mais que daqui a alguns meses estará no mundo e que vai precisar de um lar.

Sensibilizados e silenciosamente, a Prefeitura e o Judiciário da comarca iniciaram um movimento para ajudá-los. Enquanto os retirantes aguardavam ansiosamente a tão sonhada ajuda para retornar à Salvador, os nobres de Bom Jesus do Norte ajudavam como podiam: refeições e roupas limpas foram algumas das ações promovidas pelos moradores. A Prefeitura pagou a passagem do casal até Vitória e o Judiciário empenhou-se em encontrar uma solução para o resto que faltava.

Uma lista se formou para angariar fundos para custear o restante do percurso até Salvador e mais uma pequena ajuda para as despesas de viagem. Em três horas de iniciada, tinha-se todo o dinheiro necessário.

Não vou me referir aos valores individuais que foram doados, mas a vontade em ajudar, mesmo daqueles sem condições, deixa claro que os que puderam participar aprenderam muito bem a lição, pois para eles, tornava-se imprescindível tornar “libertos” aquele casal para que continuassem na busca de seus sonhos.

Hoje, Bom Jesus do Norte deu “vida” aquilo que a cercava imprimindo o selo da autonomia àquele casal, que a essa altura já deve ter chegado em casa; que não está mais na rua sujeito às intempéries e também à loucura.

Os nobres daqui usaram sua sensibilidade para atingir a razão, ou vice-versa. Talvez nunca saibamos a ordem em que ela se deu, se é que essa ordem existe e é importante.

Por último, dias atrás após tanto tempo em silêncio, minha filha mais velha me enviou um email. Nele, ela dizia que admirava a forma como eu “enxergava” a realidade. Respondi dizendo-lhe que a realidade é única, que não existe outra, mas sim, formas diferentes de se ver o mundo. Porém, para se ver bem é preciso olhar com a sensibilidade eternizada por Saint-Éxupèry: “Só sê vê bem com o coração, o essencial é invisível para os olhos”. Espero que ela tenha aprendido.

Outubro de 2009.

Marcelo Adriano Nunes de Jesus

A luta continua.

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