Ainda que nem todas às ideias de Aristóteles me sejam caras, num ponto concordo com aquele eminente filósofo: “o homem é um animal político” que tende a se organizar em cidades e a se realizar como cidadão.
Porém, além dessa característica, o homem é um ser religioso, principalmente se observarmos que a sua estrutura no tempo e no espaço tenha-se dado de forma completamente diferente dos outros animais. É o único com capacidade de modificar o meio em que vive e a matar pelo simples prazer de reafirmar sua superioridade em relação aos demais seres, inclusive sobre ele próprio, o que dentro da lógica aristotélica justifica a sua relação com o sagrado e com a metafísica. Nesse contexto, o universo mágico-religioso está no centro da vida humana, o que nos leva à conclusão de que isso ocorre principalmente pelo medo que o homem tem do desconhecido e do “terror pela morte”, como bem dizia o Barão de Holbach, filósofo contemporâneo de Voltaire.
Por mais românticos que possamos ser em relação à esfera mítica ou à ideia da existência de forças superiores, a verdade é que este sagrado vai muito além da simples manifestação de um desejo de ligação com o todo, isso porque a esfera do sagrado não pode ser dissociada da morte ou, mais ainda, do assassinato, sob pena de perder o seu sentido mais genuíno.
É claro que isto pode soar estranho, sobretudo para os que estão habituados à ideia de uma “religião do amor”, mas a verdade é que o fundamento do sagrado é sangrento e cruel, estando ligado inexoravelmente a uma decisão que o homem teria tomado no início dos tempos e que teria determinado a sua existência como um ser soberano e dominador que se reflete na decisão de “matar para sobreviver”.
Sim, o homem decidiu matar, mas provavelmente não sem intuir o aspecto atroz desta decisão. Afinal, ao tornar-se carnívoro, pelo desenvolvimento de uma tecnologia que permitiu caçar e matar os animais e que logo serviu também à matança da sua própria espécie, o homem triunfou sobre todos os outros seres da natureza. Esse triunfo, nada mais é que o simbolismo do homem sobre os deuses. Eis porque os mitos fundadores das religiões estão sempre associados ao assassinato de uma divindade, onde a própria imolação de Cristo seria igualmente parte deste mesmo mito fundador.
De modo bem direto: o homem mata, mas não sem culpa, e assim ele produz uma moral e uma religião que se assentam no martírio, nos sacrifícios, mas também no sentimento paradoxal de que agimos contra a natureza que nos gerou.
É este sentimento de dívida e culpa que teria dado origem à imolação de seres inocentes, humanos e animais, nos rituais religiosos, maneira pela qual os homens acreditam poder aplacar a ira das divindades e se reconciliar com elas (forma estranha de se penitenciar pela crueldade de matar).
Com isso, não restam dúvidas e fica fácil de compreender do por que das religiões sempre acabarem por funcionar como instrumentos de poder e dominação. Resumindo: a história do homem é a história de uma violação.
No fundo, a “humanização” do homem é também paradoxalmente a sua desumanização. E o pecado original, ainda que não acredite nisso e pelo que me parece, não se deu com a mordida na maçã, mas sim, quando o homem mastigou seu primeiro pedaço de carne, o que faz com que o sagrado seja a política do homem muito além de se organizar em sociedade.
A luta continua.
Marcelo Adriano Nunes de Jesus
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