Há cinco anos e três meses à frente do forum de Bom Jesus do Norte, sul do Espírito Santo, o jovem juiz de direito Mário da Silva Nunes Neto fez história nessa pequena cidade de aproximadamente 10 mil habitantes.
Sua saída anunciada causou tristeza e comoção em muitas pessoas, afinal, a população não estava acostumada a assistir um empenho tão contundente de um magistrado, seja este nas causas sociais seja nos processos em que atuava.
Era comum ver o doutor Mário envolvido em questões de direitos humanos e democráticos. Cito o exemplo do apoio à campanha para ajudar às vítimas das enchentes em Santa Catarina ocorrida em 2008.
Cerca de duas toneladas de alimentos e milhares de peças de roupas foram arrecadas em apenas dois dias de campanha. O forum serviu de depósito e o doutor Mário pagou do próprio bolso o transporte terrestre até Vitória para que de lá as doações fossem embarcadas em aviões da FAB com destino à Santa Catarina. Verbas arrecadadas em multas nos Juizados Especiais Criminais também foram destinadas a instituições como a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE, que adquiriu, graças ao seu empenho, um respirador artificial e outros equipamentos; o Lar André Luiz também foi agraciado com suas ações, além de várias outras que ele prefere que fiquem no anonimato.
Por outro lado, engana-se quem considera que com essas atitudes o nobre juiz buscasse a mídia ou o reconhecimento popular, ao contrário. Doutor Mário sempre fora muito reservado. Era avesso às entrevistas. Chegava mesmo a pedir que suas ações fora do âmbito judicial não fossem divulgadas pela mídia local, preferia o anonimato ou que os méritos fossem para os outros que junto com ele estivessem trabalhando em alguma causa social. Emocionou-se quando alunos da APAE lhe fizeram uma justa homenagem.
Era doce, mas endurecia quando a situação assim o exigia. Durante as últimas eleições municipais em Bom Jesus do Norte, a população surpreendeu-se ao ver o jovem juiz fiscalizando in loco as campanhas eleitorais, não permitindo compra de votos, disponibilizando seu telefone celular para denúncias e dando voz de prisão àqueles que se consideravam acima do bem e do mal. Nunca Bom Jesus do Norte assistiu uma cena dessas, um juiz de direito acompanhando fiscalização policial para evitar entrega de cestas básicas e fazendo “ronda” nos bairros para verificar se havia alguma coisa que pudesse comprometer a democracia.
Às vezes, quando se achava que o doutor Mário estava num lugar ele aparecia em outro. Nosso juiz deixou muita gente preocupada, principalmente àqueles acostumados a falcatruas e desdém pela Justiça.
Por ele, foi-nos ensinado que a democracia é o maior bem que uma sociedade pode dispor, e ele, junto com o Ministério Público atuando como representantes do Poder Judiciário local estavam ali para fazer cumprir a lei, independente das partes envolvidas e assegurar a vontade do povo, e não do poder econômico que muitas das vezes trazem resultados catastróficos para uma sociedade.
Em seu gabinete e com os olhos marejados, na quinta-feira, dia 25, doutor Mário anunciou sua despedida. Fez um balanço do período em que aqui esteve afirmando que graças ao empenho de todos a comarca sob sua responsabilidade conseguiu atingir os objetivos estipulados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), denominado Meta 2, e que apenas seis ou sete processos não foram sentenciados por diversas razões, entre as quais, ou as partes não diligenciaram naquilo que lhes competiam ou perícias não foram realizadas no tempo oportuno ou ainda por motivos que não foram possíveis combater.
Doutor Mário deixa Bom Jesus do Norte inaugurando o fórum em novo endereço, o qual sofreu bastante com as enchentes no município em 2009. Centenas de processos foram atingidos pelas águas barrentas trazidas pela enxurrada das chuvas, mas graças ao seu empenho e de todos os funcionários nenhum processo ativo se perdeu, todos foram recuperados.
Talvez o maior legado deixado por esse jovem paladino para Bom Jesus do Norte tenha sido a sua defesa da democracia e dos direitos humanos. Mesmo aqueles que por ele foram sentenciados, afirmaram serem justas as decisões a que foram submetidos.
Lembro-me de um júri que assistia e que o doutor Mário mandou a escolta policial retirar as algemas do acusado, pois até aquele momento ele era réu, e não condenado – disse o juiz -. Logo após a decisão do júri e a leitura da sentença, aí sim, o acusado uma vez condenado, fora determinado aos policiais à colocação das algemas.
Hoje, dia 30 de março de 2010, no exato instante em que escrevo, doutor Mário está presidindo seu último julgamento em nossa comarca: há um júri popular em andamento para decidir o destino de uma pessoa acusada de homicídio. Não tive coragem de ficar lá e assistir, talvez pelo fato de estar emocionado com a sua saída. É oportuno esclarecer que tanto eu quanto minha companheira e familiares nunca tivemos ou temos qualquer ação tramitando em Bom Jesus do Norte ou solicitamos qualquer favor ao ilustre juiz, mesmo porque dependendo do pedido saberíamos antecipadamente qual seria resposta. Nossa manifestação é um reconhecimento à sua atuação global, e não particular e que representa o sentimento de vários cidadãos e cidadãs quem vivem em Bom Jesus do Norte ou da Justiça daqui precisaram.
E por essas mesmas pessoas foi-me dado uma enorme responsabilidade: escrever, em breves linhas, sobre a trajetória e atuação do doutor Mário da Silva Nunes Neto. Sei que não estou à altura de escrever sobre o senhor, doutor Mário, por várias razões, sendo a principal delas a competência. Mas por outro lado, não poderia fugir à responsabilidade que cresceu na medida em que fui procurado por aquelas pessoas da nossa sociedade, aquelas mesmas, silenciosas, mas atentas e que não se omitem quando provocadas a se manifestar, e em nome delas que reuni coragem e me atrevi a escrever.
Que o senhor seja tão feliz na justa medida em que o senhor fez as pessoas felizes. Talvez o senhor nem saiba, mas um simples “bom dia” que tenha partido do senhor teve o poder de mudar a vida de muita gente aqui.
O céu de Bom Jesus do Norte hoje vai estar mais triste; perdeu uma estrela, a mais bela. Mas sabemos que ela estará iluminando outros céus, afinal, “se tu amas uma flor, é doce, de noite olhar o céu e todas as estrelas estarão floridas”, e aqui, sempre que a democracia prevalecer, saberemos que foi graças ao senhor que aprendemos a acreditar na Justiça, e esteja certo, nesse momento olharemos o céu e faremos um brinde e um agradecimento ao senhor. Muito obrigado!
A luta continua...Um pouco mais triste, mas continua.
Bom Jesus do Norte (ES), 30 de março de 2010
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