quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A OUTRA FACE DA GUERRA NO RIO

Os últimos acontecimentos que ganharam destaques na mídia nacional e internacional envolvendo Estado versus traficantes num complexo de favelas no Rio de Janeiro, trouxeram à tona outros personagens além dos traficantes em fuga e os bravos policiais que participaram de suas caçadas: seus esquecidos moradores e sua relação com o tráfico de drogas. Uma parcela significativa desses moradores participou ativamente na retirada de armas e drogas dessas comunidades, denunciando, quando se sentiram seguros, paiol de armas e esconderijos de drogas, demonstrando com isso, que não eram complacentes com a criminalidade, mas sim, vítimas de um perverso sistema.
Mas o tráfico não é um elemento novo em nossa história. Na verdade, ele começa mesmo antes da chegada do europeu no Brasil, só que naquela época, o tráfico não era de drogas, mas sim, de pessoas, e este, era amplamente praticado pela elite e com aval do Estado e da sociedade que se beneficiava daquele comércio.
Se pararmos para pensar, o Brasil tem apenas 510 anos e apenas 122 desde o fim da escravidão. A questão é: o que foi feito com aquelas pessoas que a partir de 13 de maio de 1888 se tornaram livres? Será que a mentalidade da inteligentsia brasileira em relação aos negros mudou a partir daquela data? Não, não mudou, ao contrário, aperfeiçoou-se. Inventaram a eugenia, que previa o embranquecimento da população brasileira a partir da miscigenação com imigrantes que para cá vieram com o financiamento do Estado para substituir os negros libertos. Além de fomentar o preconceito e a dificuldade de acesso às questões básicas para negros e descendentes, tais como educação, moradia digna, trabalho e justiça, o sistema continuou punindo-os quando ignorou as suas existências, deixando-os à própria sorte.
O resultado foi que o “grosso” da população que passou a morar em áreas dominadas pelo tráfico de entorpecentes ou eram nordestinos que “fugiram” da miséria de suas regiões porque o Estado nunca se preocupou em lhes dar condições mínimas de sobrevivência, e assim, milhares de retirantes abandonaram suas terras natais em busca da doce ilusão propagada pelos comerciais das tevês de que o “paraíso” seria aqui, ou então os herdeiros desse famigerado comércio chamado “tráfico negreiro”, que por total omissão do Estado em cumprir suas obrigações, deixaram essas pessoas esquecidas e ignoraram o monstro que estava sendo criado.
Mas eis que, quando a criminalidade não ficou mais circunscrita a essas áreas, quando os filhos da elite passaram também a ser refém das drogas e a elite vítima de sua própria indiferença, o Estado resolveu agir, prendendo alguns malfeitores e ocupando o seu lugar.
Certo alívio tomou conta da Cidade Maravilhosa, principalmente das pessoas que moram nesses locais. Libertas quae será tamen! Mas a minha dúvida em relação a essa liberdade tardia é a seguinte: o que farão com aqueles moradores? Ficarão novamente à própria sorte, ou alguma coisa será feita no sentido de se desenvolver o potencial econômico da região? Serão criados institutos politécnicos? E as universidades, chegarão? Serviços públicos? Dignidade? Respeito? É o mínimo que se espera após tantos e tantos anos de esquecimento.
Não se pode esquecer que muitos daqueles heróis que participaram desse momento histórico também moram em locais perecidos com os complexos de favelas agora retomados pelo Estado. Mesmo mal ganhando para sobreviver, homens e mulheres vestiram a camisa de suas instituições e foram para a guerra, e graças a Deus não houve derramamento de sangue.
É inadmissível que legisladores e chefes de executivo continuem a ignorar aquilo que é obrigação deles fazer: leis eficientes e cumprimento das mesmas, pois não adianta a polícia fazer o seu trabalho e o judiciário ser obrigado a colocar novamente nas ruas marginais que aterrorizaram a população justamente por não terem um sistema eficiente de punição.
Não adianta o governador exigir um trabalho de qualidade como o recém demonstrado pela polícia carioca, se eles mal ganham para viver. Nesse contexto, a sedução pela corrupção se torna um atrativo, pois quando o policial percebe que não terá dinheiro para trabalhar no dia seguinte, nem no seguinte, coitado, qualquer nota de 10 reais torna-se inevitável para a prevaricação, e aí, caros amigos, recriaremos novamente o Leviatã.

A luta continua

Marcelo Adriano Nunes de jesus

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