INCIDENTE EM BOM JESUS DO NORTE, ES.
Nossa narrativa começa tendo como pano de fundo a Bahia de Todos os Santos e sua breve história recente, assim como a cidade de Antares, “localizada” ao sul do país, onde a primeira, durante muito tempo, seguiu as ordens e a vontade do senhor Antônio Carlos Magalhães, homem poderoso e influente, que por décadas, comandou com mãos de ferro toda a política baiana, sempre pautada na lógica do mandonismo e do coronelismo, conforme várias fontes documentadas no Tribunal de Justiça da Bahia, no Conselho de Ética e Disciplina da Câmara dos Deputados e Senadores, etc, etc, etc, etc....
E a segunda, obra de ficção de Érico Veríssimo, que também possuía vários problemas que envolviam a trama política e social da cidade, e que por seu turno, tinha muitas semelhanças com a Bahia, onde um fato inesperado iria mudar todo o rumo de sua história, assim como também mudou na Bahia, assim também como mudou em Bom Jesus do Norte, ES.
Localizada ao sul do estado do Espírito Santo, distante cerca de 300 km da capital, Vitória, Bom Jesus do Norte, emancipada em 1963 e que faz divisa com o estado do Rio de Janeiro, conta com uma população aproximada na ordem de 8.900 pessoas, segundo dados do IBGE, e seria uma cidade interiorana como tantas outras Brasil afora, não fosse um pequeno, porém, significativo detalhe: sua comunidade, assim como na Bahia e em Antares, também resolveu mudar todo o rumo de sua história política, dando uma resposta a altura àqueles que a consideravam-na uma grande mentecapto.
Cidade acolhedora, população pacífica, honesta, trabalhadora e muito religiosa, que tem em São Geraldo Magela seu padroeiro, e o admirável e grande intelectual, Padre Luciano como pároco local, que conduz seu rebanho com acendrado amor e probidade exemplar.
Também digno de citação é o Poder Judiciário local, que graças a sua atuação impecável e irrepreensível pudemos ter uma eleição limpa e transparente, o que nos conduz às palavras, tantas vezes repetidas, pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República Luis Ignácio Lula da Silva ao se referir a assuntos importantes ocorridos ultimamente no seu governo: “nunca antes na história desse...”.
Pois bem, Bom Jesus do Norte cresceu e resolveu fazer história.
Na manhã daquele domingo, dia 5 de outubro de 2008, havia algo de novo e estranho no ar de Bom Jesus do Norte. O brilho no olhar das pessoas esteve diferente durante todo o dia. Homens e mulheres às ruas, ordeira e pacificamente a caminho das urnas de votação para exercer plenamente a sua cidadania. Nenhum tipo de manifestação onde ficasse explícita a preferência dos eleitores era visível; nenhuma ocorrência envolvendo bocas de urna ou brigas entre eleitores de opiniões diferentes fora registrada na delegacia local; ruas limpas. Bares recusando-se a vender bebidas alcoólicas atendendo a determinação judicial, o que faz reforçar a tese de que o povo brasileiro, em sua maioria, respeita e acredita na lei e na Justiça, guardiã da democracia, ainda mais quando se tem o Dr. Mario da Silva Nunes Neto à frente da Comarca local, homem de um caráter altivo, como poucos que tive o privilégio e a honra de conhecer pessoalmente, e que, doravante, seu nome estará registrado nos anais da História de Bom Jesus do Norte, e quiçá do Brasil, como “o Juiz do povo.”
Faz-se mister registrar, que minha admiração e respeito pelo Dr. Mário, se dá no sentido de que na condição de pesquisador e historiador, pessoas dessa honradez, que não se esquivam ante um pretenso poder, que não fogem à sua responsabilidade tão somente por mera conveniência ou temor, são figuras cada vez mais raras em nossa sociedade, citadas apenas em livros ou circunscritas ao seu meio, haja vista que no Brasil o que dá IBOPE é a corrupção, a violência, o futebol e claro, o carnaval, onde raramente notícias como a que estou escrevendo agora ganham espaços na mídia. Julgo apropriadas tais considerações, e apenas para esclarecimentos, que não tenho nenhuma ação tramitando no Tribunal de Bom Jesus do Norte, nem tampouco pretendo ajuizar, que a minha relação com o magistrado em questão é por pura admiração ao seu trabalho e a sua atuação enquanto juiz, nada mais além disso. Feito essas considerações, vamos nos ater aos fatos.
Não precisamos estar mortos, assim como alguns moradores de Antares, para que nossos descendentes façam ou pleiteiem aquilo que nos caiba fazer ou pleitear enquanto vivos. É nossa obrigação, além de estar em nossas mãos, mudar o rumo da história de nossas vidas, de quem amamos e mesmo daqueles que não conhecemos. Às vezes, basta uma palavra, ou um gesto, para mudar ou marcar a vida de uma pessoa de forma indelével.
Não obstante, se vivemos em sociedade, somos um responsável pelo outro, desde as funções as mais humildes aos mais técnicos. No fundo, estamos a serviço da coletividade, e isso não pode ser negligenciado pela sociedade da qual somos parte integrantes. “As revoluções são impossíveis, até se tornarem inevitáveis”.
Trotski, com essa oração, mostrou-nos que chega uma fase na vida do ser humano, em que o homem tem que decidir, que ele não pode mais continuar adiando uma decisão que lhe é singular, que a ele pertence, e que se tomada, fará surgir no horizonte novas possibilidades, algumas inclusive, que ele não acreditava ser possível.
Hoje, Bom Jesus do Norte fez história, ao promover a sua saída do esquife o qual julgavam que ela estivesse, mas a população estava bem viva e atenta aos fatos, aos discursos, as posturas e resolveu agir da melhor forma possível: democraticamente.
Antares também teve seu dia de “incidente”, que começou com a revolta dos mortos e depois se espalhou por toda a sociedade em função dos desmandos e improbidades administrativas cometidas pelos representantes políticos locais, e que por consequência culminou numa greve geral de trabalhadores, incluindo a dos coveiros municipais, aumentando ainda mais o descontentamento popular, o que só fomentou a revolta de vivos e mortos.
Sentindo-se desrespeitados nos seus direitos básicos, inclusive o de ser sepultados, os de cujus resolveram sair de seus caixões e seguiram para a cidade, dispostos a eles não retornarem até terem atendidas suas reivindicações, dentre elas, o respeito, o decoro e a ética. Tanto pelos políticos profissionais quanto pelas iminências pardas, que são aquelas pessoas que não estão declaradamente no poder mas que por incompetência daqueles que lá se encontram, acabam governando em seu lugar. Em tempo, qualquer semelhança com lugar, fatos ou pessoas é mera coincidência.
Por conta disso, iniciaram um debate com as autoridades e a população no intuito de esclarecer algumas pendências particulares e também, claro, políticas. Uns ficaram ao lado dos mortos, outros se esquivaram, e outros ainda se omitiram, mas era fato, que alguma coisa havia de ser feita para que aquele estado de coisa houvesse fim. Esse debate foi bem interessante, pois contou inclusive, com a presença de um advogado patrocinando os mortos, que por coincidência também era um de cujus.
Era fato típico em Antares os detentores do poder econômico, através de suas influências, leia-se dinheiro, convencerem o povo a votar nos candidatos que lhes eram mais convenientes para suas falcatruas. Convencimento esse em que, se o discurso mentiroso não fosse eficaz e de pronto-atendimento, partia-se para a compra declarada de votos, não se importando com as pessoas que ali estavam apenas como espectadores. Ato funesto, tanto para quem dá quanto para quem recebe, e que vai perdurar durante muito tempo em nosso meio, mas como tudo um dia chega ao fim, nesta cidade como em tantas outras desse Brasil, a população parece ter percebido que não seriam míseros reais que fariam a diferença em suas vidas, e resolveram dar um basta naquele estado de coisas da melhor forma possível: através do voto consciente.
Mesmo que alguns dos candidatos que estivessem concorrendo aos cargos políticos não fossem os mais indicados por conta de sua nada recomendada vida pregressa, eram sempre eles os eleitos, o que nos remete a brilhante tese de doutoramento em história do prof° doutor Ilmar Rohloff de Mattos, O Tempo Saquarema, onde o autor descreve a situação caótica na política do Brasil durante o I Império entre dois grupos que de nada tinham de distintos: Luzias e Saquaremas.
“ Monopólio da mão-de-obra, das terras, dos meios de trabalho; e também a tendência a monopolizar os homens, durante a vida e após a morte[1]”,
era a prática política que prevalecia no Brasil daquele período. Alguma semelhança com os dias atuais?
Esses monopolizadores, muitas vezes assumiam papéis de “intelectuais” tão somente por serem portadores de uma retórica que seduzia e que também inspirava confiança na população pela eloquência, mas que na prática, eram desprovidos de qualquer significado e compromisso com a ética, e a reboque com a população. Declarações mentirosas e que atendiam apenas aos seus interessantes, sempre pautados na lógica do assistencialismo e da corrupção e que tinha por fim o poder, como se o poder fosse algo que se pudesse dispor livremente, sem coerência, análise pautada na reflexão foucaultiana.
Seus opositores, eram eliminados à bala, ou então, encontrava-se uma maneira de prejudicá-los. Se funcionário público, alocava-os em outra seção ou transferia-os para outro município, se contratado, ficariam sempre à mercê dos seus mandos e desmandos, e se empregado da iniciativa privada, sempre se encontrava um jeito de prejudicá-los, essa era a práxis, essa era a sua lógica:
“simples agregados de clãs organizados para
a exploração comum das vantagens do poder”[2]
A Bahia amadureceu, Antares desapareceu, surgindo em seu lugar, uma nova sociedade, assim como Bom Jesus do Norte, a partir de janeiro de 2009. Graças ao trabalho incansável de pessoas comprometidas com valores que vão muito além das cifras, é que o resultado das eleições municipais de 2008 não poderia ter sido diferente em várias cidades brasileiras.
A máxima do admirável Nélson Rodrigues que dizia que “o dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro”, é uma farsa, que me perdoe o Nélson pela franqueza, mas um dia haveremos de nos encontrar para discutirmos o assunto, de preferência num bar lá no Céu ou próximo dele, mas que nesse pleito, definitivamente mostrou-se falsa.
Certamente que o Brasil ainda tem um longo caminho a seguir no sentido da consciência política, mas que fique claro, a tomada dessa consciência perpassa obrigatoriamente pela via da educação, a qual é impossível sem ela.
Nossos governantes têm que olhar com mais atenção para essa causa, evitando o êxodo de professores para outras funções por conta da baixa remuneração. O Estado do Rio de Janeiro recebe mensalmente algo em torno de 25/30 pedidos de exoneração por mês de professores insatisfeitos com os baixos salários, uma média bastante alta para a nossa realidade.
Um professor, com pós graduação, mestrado e doutorado em início de carreira, ganha exatamente R$ 607,28 (SEISCENTOS E SETE REAIS E VINTE OITO CENTAVOS) brutos, muito pouco para quem investiu muito na carreira (muitas das vezes sem condições materiais para tal), e que tem uma enorme responsabilidade social que vai muito além dos conteúdos; formar cidadãos críticos e atuantes.
Apesar de ser um apaixonado pelo meu ofício, às vezes bate uma tristeza e frustração exatamente por algumas vezes, não raras, nos faltar o básico, dentre os quais, dinheiro para compra de livros, mas sempre no meio do caminho, exatamente nesse caminhar, surgem pessoas que numa simples palavra ou gesto, fazem de nós verdadeiros super-heróis e super-heroínas, contribuindo para que continuemos a acreditar que temos uma papel significativo na sociedade, e que mais do que nunca é preciso prosseguir. .
O nosso papel de intelectual não é mais o de se colocar “um pouco na frente ou um pouco de lado” para dizer a muda verdade de todos: é antes o de lutar contra as formas de dominação exatamente aonde ela é, ao mesmo tempo, o objeto e o instrumento: na ordem do saber, da verdade, da consciência, do discurso.
Por último, que o futuro prefeito, eleito democraticamente pela vontade popular em Bom Jesus do Norte, Dr. Adson, aja sob os auspícios da Justiça, da probidade e do Amor em prol dessa sociedade, e de preferência, que sua gestão sirva de exemplo a ser seguido por governantes comprometidos com a Constituição Federal e com o Povo.
Que Deus lhe dê sabedoria e coragem para enfrentar o grande desafio que o senhor tem pela frente, qual seja, a difícil, porém possível, missão de tornar Bom Jesus do Norte uma cidade melhor para todos, reduzindo a pobreza, a marginalização e, sobretudo, dotando-a de meios mais eficientes voltados para a educação profissionalizante de nossas crianças e adolescentes, é possível, acredite!
A luta continua.
Bom Jesus do Norte, ES. Domingo, 05 de Outubro de 2008.
___________________________
Marcelo Adriano Nunes de Jesus.
PROF° REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO RJ C.E.MARCÍLIO DIAS.
MESTRANDO EM HISTÓRIA.
UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRA - VASSOURAS-R
PÓS GRADUADO EM HISTÓRIA
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES – RIO DE JANEIRO –RJ
GRADUADO EM HISTÓRIA.
FACULDADES INTEGRADAS SIMONSEN – RIO DE JANEIRO -RJ
GRADUANDO EM DIREITOUNIVERSIDADE DE IGUAÇU – ITAPERUNA – RJ
[1]Mattos, Ilmar Rohloff de. O tempo Saquarema: a formação do estado imperial. Rio de Janeiro: ACCESS, 1999, pág. 27
[2] Oliveira Vianna. O Ocaso do Império. 3 Ed. Rio de Janeiro, 1959, p. 19
Nossa narrativa começa tendo como pano de fundo a Bahia de Todos os Santos e sua breve história recente, assim como a cidade de Antares, “localizada” ao sul do país, onde a primeira, durante muito tempo, seguiu as ordens e a vontade do senhor Antônio Carlos Magalhães, homem poderoso e influente, que por décadas, comandou com mãos de ferro toda a política baiana, sempre pautada na lógica do mandonismo e do coronelismo, conforme várias fontes documentadas no Tribunal de Justiça da Bahia, no Conselho de Ética e Disciplina da Câmara dos Deputados e Senadores, etc, etc, etc, etc....
E a segunda, obra de ficção de Érico Veríssimo, que também possuía vários problemas que envolviam a trama política e social da cidade, e que por seu turno, tinha muitas semelhanças com a Bahia, onde um fato inesperado iria mudar todo o rumo de sua história, assim como também mudou na Bahia, assim também como mudou em Bom Jesus do Norte, ES.
Localizada ao sul do estado do Espírito Santo, distante cerca de 300 km da capital, Vitória, Bom Jesus do Norte, emancipada em 1963 e que faz divisa com o estado do Rio de Janeiro, conta com uma população aproximada na ordem de 8.900 pessoas, segundo dados do IBGE, e seria uma cidade interiorana como tantas outras Brasil afora, não fosse um pequeno, porém, significativo detalhe: sua comunidade, assim como na Bahia e em Antares, também resolveu mudar todo o rumo de sua história política, dando uma resposta a altura àqueles que a consideravam-na uma grande mentecapto.
Cidade acolhedora, população pacífica, honesta, trabalhadora e muito religiosa, que tem em São Geraldo Magela seu padroeiro, e o admirável e grande intelectual, Padre Luciano como pároco local, que conduz seu rebanho com acendrado amor e probidade exemplar.
Também digno de citação é o Poder Judiciário local, que graças a sua atuação impecável e irrepreensível pudemos ter uma eleição limpa e transparente, o que nos conduz às palavras, tantas vezes repetidas, pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República Luis Ignácio Lula da Silva ao se referir a assuntos importantes ocorridos ultimamente no seu governo: “nunca antes na história desse...”.
Pois bem, Bom Jesus do Norte cresceu e resolveu fazer história.
Na manhã daquele domingo, dia 5 de outubro de 2008, havia algo de novo e estranho no ar de Bom Jesus do Norte. O brilho no olhar das pessoas esteve diferente durante todo o dia. Homens e mulheres às ruas, ordeira e pacificamente a caminho das urnas de votação para exercer plenamente a sua cidadania. Nenhum tipo de manifestação onde ficasse explícita a preferência dos eleitores era visível; nenhuma ocorrência envolvendo bocas de urna ou brigas entre eleitores de opiniões diferentes fora registrada na delegacia local; ruas limpas. Bares recusando-se a vender bebidas alcoólicas atendendo a determinação judicial, o que faz reforçar a tese de que o povo brasileiro, em sua maioria, respeita e acredita na lei e na Justiça, guardiã da democracia, ainda mais quando se tem o Dr. Mario da Silva Nunes Neto à frente da Comarca local, homem de um caráter altivo, como poucos que tive o privilégio e a honra de conhecer pessoalmente, e que, doravante, seu nome estará registrado nos anais da História de Bom Jesus do Norte, e quiçá do Brasil, como “o Juiz do povo.”
Faz-se mister registrar, que minha admiração e respeito pelo Dr. Mário, se dá no sentido de que na condição de pesquisador e historiador, pessoas dessa honradez, que não se esquivam ante um pretenso poder, que não fogem à sua responsabilidade tão somente por mera conveniência ou temor, são figuras cada vez mais raras em nossa sociedade, citadas apenas em livros ou circunscritas ao seu meio, haja vista que no Brasil o que dá IBOPE é a corrupção, a violência, o futebol e claro, o carnaval, onde raramente notícias como a que estou escrevendo agora ganham espaços na mídia. Julgo apropriadas tais considerações, e apenas para esclarecimentos, que não tenho nenhuma ação tramitando no Tribunal de Bom Jesus do Norte, nem tampouco pretendo ajuizar, que a minha relação com o magistrado em questão é por pura admiração ao seu trabalho e a sua atuação enquanto juiz, nada mais além disso. Feito essas considerações, vamos nos ater aos fatos.
Não precisamos estar mortos, assim como alguns moradores de Antares, para que nossos descendentes façam ou pleiteiem aquilo que nos caiba fazer ou pleitear enquanto vivos. É nossa obrigação, além de estar em nossas mãos, mudar o rumo da história de nossas vidas, de quem amamos e mesmo daqueles que não conhecemos. Às vezes, basta uma palavra, ou um gesto, para mudar ou marcar a vida de uma pessoa de forma indelével.
Não obstante, se vivemos em sociedade, somos um responsável pelo outro, desde as funções as mais humildes aos mais técnicos. No fundo, estamos a serviço da coletividade, e isso não pode ser negligenciado pela sociedade da qual somos parte integrantes. “As revoluções são impossíveis, até se tornarem inevitáveis”.
Trotski, com essa oração, mostrou-nos que chega uma fase na vida do ser humano, em que o homem tem que decidir, que ele não pode mais continuar adiando uma decisão que lhe é singular, que a ele pertence, e que se tomada, fará surgir no horizonte novas possibilidades, algumas inclusive, que ele não acreditava ser possível.
Hoje, Bom Jesus do Norte fez história, ao promover a sua saída do esquife o qual julgavam que ela estivesse, mas a população estava bem viva e atenta aos fatos, aos discursos, as posturas e resolveu agir da melhor forma possível: democraticamente.
Antares também teve seu dia de “incidente”, que começou com a revolta dos mortos e depois se espalhou por toda a sociedade em função dos desmandos e improbidades administrativas cometidas pelos representantes políticos locais, e que por consequência culminou numa greve geral de trabalhadores, incluindo a dos coveiros municipais, aumentando ainda mais o descontentamento popular, o que só fomentou a revolta de vivos e mortos.
Sentindo-se desrespeitados nos seus direitos básicos, inclusive o de ser sepultados, os de cujus resolveram sair de seus caixões e seguiram para a cidade, dispostos a eles não retornarem até terem atendidas suas reivindicações, dentre elas, o respeito, o decoro e a ética. Tanto pelos políticos profissionais quanto pelas iminências pardas, que são aquelas pessoas que não estão declaradamente no poder mas que por incompetência daqueles que lá se encontram, acabam governando em seu lugar. Em tempo, qualquer semelhança com lugar, fatos ou pessoas é mera coincidência.
Por conta disso, iniciaram um debate com as autoridades e a população no intuito de esclarecer algumas pendências particulares e também, claro, políticas. Uns ficaram ao lado dos mortos, outros se esquivaram, e outros ainda se omitiram, mas era fato, que alguma coisa havia de ser feita para que aquele estado de coisa houvesse fim. Esse debate foi bem interessante, pois contou inclusive, com a presença de um advogado patrocinando os mortos, que por coincidência também era um de cujus.
Era fato típico em Antares os detentores do poder econômico, através de suas influências, leia-se dinheiro, convencerem o povo a votar nos candidatos que lhes eram mais convenientes para suas falcatruas. Convencimento esse em que, se o discurso mentiroso não fosse eficaz e de pronto-atendimento, partia-se para a compra declarada de votos, não se importando com as pessoas que ali estavam apenas como espectadores. Ato funesto, tanto para quem dá quanto para quem recebe, e que vai perdurar durante muito tempo em nosso meio, mas como tudo um dia chega ao fim, nesta cidade como em tantas outras desse Brasil, a população parece ter percebido que não seriam míseros reais que fariam a diferença em suas vidas, e resolveram dar um basta naquele estado de coisas da melhor forma possível: através do voto consciente.
Mesmo que alguns dos candidatos que estivessem concorrendo aos cargos políticos não fossem os mais indicados por conta de sua nada recomendada vida pregressa, eram sempre eles os eleitos, o que nos remete a brilhante tese de doutoramento em história do prof° doutor Ilmar Rohloff de Mattos, O Tempo Saquarema, onde o autor descreve a situação caótica na política do Brasil durante o I Império entre dois grupos que de nada tinham de distintos: Luzias e Saquaremas.
“ Monopólio da mão-de-obra, das terras, dos meios de trabalho; e também a tendência a monopolizar os homens, durante a vida e após a morte[1]”,
era a prática política que prevalecia no Brasil daquele período. Alguma semelhança com os dias atuais?
Esses monopolizadores, muitas vezes assumiam papéis de “intelectuais” tão somente por serem portadores de uma retórica que seduzia e que também inspirava confiança na população pela eloquência, mas que na prática, eram desprovidos de qualquer significado e compromisso com a ética, e a reboque com a população. Declarações mentirosas e que atendiam apenas aos seus interessantes, sempre pautados na lógica do assistencialismo e da corrupção e que tinha por fim o poder, como se o poder fosse algo que se pudesse dispor livremente, sem coerência, análise pautada na reflexão foucaultiana.
Seus opositores, eram eliminados à bala, ou então, encontrava-se uma maneira de prejudicá-los. Se funcionário público, alocava-os em outra seção ou transferia-os para outro município, se contratado, ficariam sempre à mercê dos seus mandos e desmandos, e se empregado da iniciativa privada, sempre se encontrava um jeito de prejudicá-los, essa era a práxis, essa era a sua lógica:
“simples agregados de clãs organizados para
a exploração comum das vantagens do poder”[2]
A Bahia amadureceu, Antares desapareceu, surgindo em seu lugar, uma nova sociedade, assim como Bom Jesus do Norte, a partir de janeiro de 2009. Graças ao trabalho incansável de pessoas comprometidas com valores que vão muito além das cifras, é que o resultado das eleições municipais de 2008 não poderia ter sido diferente em várias cidades brasileiras.
A máxima do admirável Nélson Rodrigues que dizia que “o dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro”, é uma farsa, que me perdoe o Nélson pela franqueza, mas um dia haveremos de nos encontrar para discutirmos o assunto, de preferência num bar lá no Céu ou próximo dele, mas que nesse pleito, definitivamente mostrou-se falsa.
Certamente que o Brasil ainda tem um longo caminho a seguir no sentido da consciência política, mas que fique claro, a tomada dessa consciência perpassa obrigatoriamente pela via da educação, a qual é impossível sem ela.
Nossos governantes têm que olhar com mais atenção para essa causa, evitando o êxodo de professores para outras funções por conta da baixa remuneração. O Estado do Rio de Janeiro recebe mensalmente algo em torno de 25/30 pedidos de exoneração por mês de professores insatisfeitos com os baixos salários, uma média bastante alta para a nossa realidade.
Um professor, com pós graduação, mestrado e doutorado em início de carreira, ganha exatamente R$ 607,28 (SEISCENTOS E SETE REAIS E VINTE OITO CENTAVOS) brutos, muito pouco para quem investiu muito na carreira (muitas das vezes sem condições materiais para tal), e que tem uma enorme responsabilidade social que vai muito além dos conteúdos; formar cidadãos críticos e atuantes.
Apesar de ser um apaixonado pelo meu ofício, às vezes bate uma tristeza e frustração exatamente por algumas vezes, não raras, nos faltar o básico, dentre os quais, dinheiro para compra de livros, mas sempre no meio do caminho, exatamente nesse caminhar, surgem pessoas que numa simples palavra ou gesto, fazem de nós verdadeiros super-heróis e super-heroínas, contribuindo para que continuemos a acreditar que temos uma papel significativo na sociedade, e que mais do que nunca é preciso prosseguir. .
O nosso papel de intelectual não é mais o de se colocar “um pouco na frente ou um pouco de lado” para dizer a muda verdade de todos: é antes o de lutar contra as formas de dominação exatamente aonde ela é, ao mesmo tempo, o objeto e o instrumento: na ordem do saber, da verdade, da consciência, do discurso.
Por último, que o futuro prefeito, eleito democraticamente pela vontade popular em Bom Jesus do Norte, Dr. Adson, aja sob os auspícios da Justiça, da probidade e do Amor em prol dessa sociedade, e de preferência, que sua gestão sirva de exemplo a ser seguido por governantes comprometidos com a Constituição Federal e com o Povo.
Que Deus lhe dê sabedoria e coragem para enfrentar o grande desafio que o senhor tem pela frente, qual seja, a difícil, porém possível, missão de tornar Bom Jesus do Norte uma cidade melhor para todos, reduzindo a pobreza, a marginalização e, sobretudo, dotando-a de meios mais eficientes voltados para a educação profissionalizante de nossas crianças e adolescentes, é possível, acredite!
A luta continua.
Bom Jesus do Norte, ES. Domingo, 05 de Outubro de 2008.
___________________________
Marcelo Adriano Nunes de Jesus.
PROF° REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO RJ C.E.MARCÍLIO DIAS.
MESTRANDO EM HISTÓRIA.
UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRA - VASSOURAS-R
PÓS GRADUADO EM HISTÓRIA
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES – RIO DE JANEIRO –RJ
GRADUADO EM HISTÓRIA.
FACULDADES INTEGRADAS SIMONSEN – RIO DE JANEIRO -RJ
GRADUANDO EM DIREITOUNIVERSIDADE DE IGUAÇU – ITAPERUNA – RJ
[1]Mattos, Ilmar Rohloff de. O tempo Saquarema: a formação do estado imperial. Rio de Janeiro: ACCESS, 1999, pág. 27
[2] Oliveira Vianna. O Ocaso do Império. 3 Ed. Rio de Janeiro, 1959, p. 19
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