segunda-feira, 12 de janeiro de 2009


O DRAMA DAS ENCHENTES.



Seria um domingo como outro qualquer aquele 04 de janeiro de 2009. Passavam pouco mais das 17 horas, quando subitamente o céu tornou-se carregado de nuvens do tipo “cumulonimbus”, que são aquelas nuvens de cor acinzentadas que prenunciam tempestades e que trazem junto consigo muitos estragos. O prenúncio se confirmou, pois em poucas horas, nossa cidade seria castigada pelas chuvas que iriam culminar numa calamidade pública e lamentavelmente também iriam causar dois eventos morte.
Em regiões em que tais nuvens se fazem presentes, principalmente entre os meses que vão de dezembro a março, normalmente ocorrem chuvas torrenciais e que sempre terminam em enchentes, e nesse dia não foi diferente por aqui. Em pouco tempo, Bom Jesus do Norte (ES) e Bom Jesus do Itabapoana (RJ), que para agravar ainda mais a situação estão situados num vale, ficariam sob as águas, assim como várias outras cidades da região Sudeste ficaram, sobretudo no Norte e Noroeste Fluminense, Sul do Espírito Santo e várias cidades do estado de Minas Gerais.
Apesar de serem cidades que fazem divisas entre si, ninguém passava de um município para outro. Até mesmo a travessia a pé, era quase impossível de ser feita, isso já na segunda-feira. As duas pontes que dividem os Estados estavam completamente interditadas. De repente, todos estavam ilhados em seus bairros. Ninguém entra ninguém sai, todos cerceados em seu direito natural de ir e vir pela Mãe Natureza. Pessoas e animais num vai e vem frenético pelas ruas sem saber ao certo a que direção tomar, exceto que urgia encontrar um local seguro e longe das águas, que a essa altura, já tinha invadido todas as casas da parte baixa de ambas Bom Jesus e ameaçava invadir outras mais nas partes mais altas . Um desespero tomava conta das pessoas que há poucos dias atrás tinham passado por uma outra enchente e perdido a maioria de suas mobílias. Apesar disso, ninguém acreditava que uma outra tragédia como aquela do dia 19/12 pudesse se repetir em tão breve espaço de tempo, o que fez com que muitas dessas pessoas, com muito sacrifício, aproveitando o 13° salário, comprassem móveis novos para vê-los novamente serem destruídos e levados pelas águas em mais uma enchente. Parecia inacreditável que aquele drama tornasse a se repetir, mas infelizmente se repetiu e de forma mais trágica que a anterior.
Sempre que essas calamidades acontecem, sentimos um aperto e uma certa impotência invadindo nossos corações. Por mais dispostos que estejamos em ajudar o próximo, qualquer coisa que façamos nessas horas, é sempre entendido por nós mesmos como sendo muito pouco e insuficiente diante do tamanho do drama vivido por aquelas pessoas. Não obstante, o mínimo que se faça, é sempre melhor do que nada fazer. E foi o que a maioria fez. Mesmo aqueles que estavam em situação delicada, e eram muitos, trataram de ajudar o próximo como podiam, dando o seu melhor nessa relação tão dolorosa.
Ainda na segunda feira, dia 05, a rua principal de Bom Jesus do Norte parecia um formigueiro humano; pessoas em busca de informações, de imagens da catástrofe ou ainda, um vai e vem de várias centenas de passos perdidos, além de várias pessoas dentro d’água arriscando-se a contrair doenças numa tentativa infrutífera de salvar alguns poucos bens que lhes restavam. Essas eram as cenas mais comuns de serem vistas. Infelizmente, já se tinha a notícia de que uma pessoa havia contraido Leptospirose em Bom Jesus do Norte, doença transmitida pela urina dos ratos, assim como a Peste Bubônica, que no século XIV vitimou fatalmente 1/3 da população européia. Para a grande maioria da população, parecia surreal que elas estivessem vivendo novamente a mesma situação dramática de poucos dias atrás, aliás, situação que assim como a anterior, veio com bastante força e que mais uma vez trouxe consigo dor, destruição e desespero para várias famílias.
Entrementes, o ser humano é verdadeiramente uma Caixa de Pandora, sempre surpreendendo. Conforme houvera dito, a vontade em ajudar era muita. Independente da parte que cabe aos governos, as pessoas se mobilizaram, e cada um fez o que pode em prol dos que houveram perdido tudo, ou, quase tudo, isso talvez tenha diminuído um pouco a dor e o sofrimento daquelas pessoas. Os que ficaram a salvo das águas, abriram as portas de suas casas para acolher os mais necessitados e o fizeram de uma forma muito bonita. Pessoas que mesmo não precisando de ajuda governamental naquele momento, entravam em filas para apanhar leite que estavam sendo distribuídos pela prefeitura apenas para dar àqueles que mais necessitavam, e que fizeram isso tão somente porque muitas das vítimas não sabiam, até aquele momento, que a distribuição do leite também estava sendo feita durante a madrugada. Mais uma vez parabéns aos homens e mulheres de boa vontade , que além do leite, distribuíram alimentos, colchonetes e disponibilizaram abrigos para as vítimas, além da promessa de dias melhores. Esse é o verdadeiro espírito cristão, que independe de religião, ideologia ou partido político.
Essas pessoas em sua maioria são cidadãos anônimos, e que optam em assim continuar sendo, mas que fazem sua parte com acendrado amor e sem esperar absolutamente nada em troca, por mais nobres que sejam elas. Nem mesmo um simples “obrigado” elas esperam, pois não é esse o reconhecimento que verdadeiramente almejam, uma vez que têm consciência que sua estada aqui na Terra é apenas uma “passagem”, a qual deve ser pautada na lógica da solidariedade e do amor.
Foi interessante observar que muitas daquelas pessoas que estavam ajudando com comida pronta servida à mesa de suas próprias casas, por exemplo, ou ainda, abrigando famílias inteiras, também estavam passando por dificuldades financeiras, mas que não mediram esforços na hora de ajudar o próximo, e que optaram em dividir o pouco que tinham a conviver com o “peso” de saber que alguma coisa poderia ter sido feita, mas nada fizeram. Mesmo que isso lhes custasse o quase nada que dispunham naquele momento, preferiram, ainda assim, ajudar.
Mas o pior ainda estava por vir. Durante a madrugada do dia 6, isso já na terça-feira, as notícias que chegavam da Defesa Civil Municipal não eram das mais otimistas: muita água ainda tinha para chegar vindas da Serra do Caparaó e de outras regiões, o que fomentava ainda mais o drama das pessoas, fossem elas vítimas ou não; todos estavam apreensivos. Polícia com sirene aberta dando alertas para que as pessoas que ainda insistiam em permanecer em áreas de risco saíssem de suas casas, a chuva caindo, o nível dos rios da região aumentando, pessoas saindo de suas casa às pressas, um desespero total.
O dia seguinte talvez tenha sido o mais dramático para a população que dependia, no mínimo, de boas notícias, porém elas insistiam em não chegar. Essa ansiedade em saber se as águas baixariam ou não é que causava um grande reboliço na população mais atingida pelas cheias. O número de pessoas às ruas não parava de aumentar, carros da prefeitura e de particulares pra cima e pra baixo carregados de quentinhas para distribuir para uma população completamente perdida e faminta. Filas se formando em torno dos barcos que transitavam pelas ruas do Bairro Silvana, um dos mais atingidos pela enxurrada; pessoas em busca de notícias de parentes, amigos e também de seus bichinhos de estimação, mas apesar desse cenário de caos, ao menos as chuvas tinham dado uma trégua, o que fez com que a enchente estabilizasse. Dessa vez, o nível das águas estava inalterado, o que contribuiu para diminuir um pouco as tensões das pessoas, e que analisado sob a ótica do otimismo, era algo positivo no momento, o que gerava uma discreta esperança nos corações das pessoas de que as coisas iriam melhorar. É muito doloroso assistir a homens, mulheres e crianças olhando para o “nada” em busca de alguma resposta a tudo aquilo que estava acontecendo em suas vidas; e o pior, em dose dupla. Apesar desse quadro de perplexidade, caos e desespero, alguns se aproveitaram da situação para cometer – pasmem -, roubos e furtos nas casas que haviam sido abandonadas às pressas sob as águas. Isso, sim, definitivamente o cúmulo do absurdo, da banalização...Do mal, mas Deus nunca dorme, nosso Grande e Justíssimo Juiz.
No início da madrugada de quarta-feira, um fato roubou a cena e contribuiu de certa forma para levar um pouco de descontração para as pessoas que aguardavam na fila do leite, as quais, eram em número considerável. De repente, eis que por volta de 1h30min da manhã, surge, próximo aos Vicentinos, um dos locais de abrigo e de distribuição de alimentos, uma viatura da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo em ronda ostensiva completamente “apagada”, ou seja, sem nenhuma lanterna acesa, o que até aí, tudo bem, afinal, nada como o fator surpresa. Porém, dela saltaram dois policiais militares para uma abordagem em dois possíveis “suspeitos”, sendo que um deles, ao perceber a aproximação policial ,conseguiu correr e evadiu-se rapidamente do local. O outro, que não conseguiu fugir e aparentava ser menor de idade, após uma breve “geral”, fora conduzido até a “caçapa” da viatura, certamente atitude pautada em alguma evidência concreta encontrada pelos policiais. Contudo, nenhum dos agentes da lei ficou montando vigilância junto ao “suspeito”. Ambos distanciaram-se da viatura deixando a “caçapa” da mesma aberta, completamente com a porta levantada e com o indivíduo em seu interior sozinho, e saíram os dois, juntos, para procurar “algo” que fosse a evidência das suas suspeitas e que o detido pudesse ter jogado ao chão, o que supõem-se nada tenha sido encontrado com o mesmo. Por mais absurdo que possa parecer esta cena, diante desse procedimento e da população que a tudo assistia de camarote, é claro que o rapaz que estava na viatura, com a porta da mala aberta, desalgemado e sem ninguém fazendo-lhe a devida escolta, não perdesse tempo: tratou de dar no pé, deixando os policiais atônitos sem saber o que fazer diante daquela situação vexatória e inusitada perante uma população que não acreditava no que estava vendo bem ali, diante dos seus olhos e que poderia certamente ser digna de uma “vídeocassetada.” As pessoas não conseguiram segurar, e os risos foram geral.
Que fique claro que em momento algum essa lamentável ocorrência tencione macular a imagem dessa augusta instituição que é a Polícia Militar, nem tampouco de seus agentes, mesmo porque seus nomes não foram e não serão divulgados, ao contrario, trata-se de uma instituição séria e que presta inestimáveis serviços a população. Entretanto, não podemos deixar de mencionar o fato em virtude do contexto tragicômico em que ele infelizmente se inseriu.
Provavelmente, aqueles policiais também estivessem estafados, cansados e preocupados com eventuais parentes ou amigos que estivessem passando por esse drama que se abateu sobre todos nós, além do que, erros são para serem executados por humanos, muito embora alguns erros sejam indesculpáveis. Não obstante, a perfeição somente a Deus pertence, se agiram “certo” ou errado” não nos cabe julgar, mas apenas narrar um fato verossímel e ao mesmo tempo surreal que aconteceu neste dia, apenas isso .
Igualmente considero pertinente destacar o excelente serviço que nos foi prestado pela PMES durante as calamidades que se abateram e que permanecem sobre nosso município, pois diuturnamente seus bravos combatentes auxiliaram e auxiliam no que podem no sentido de amenizar a dor das vítimas, seja transportando pessoas e alimentos, seja desempenhando bem o seu papel constitucional que é o de patrulhamento ostensivo, dando tranqüilidade às vítimas e a nós, comunidade como um todo.
Por fim, recentemente em trabalho conjunto com as polícias civil e militar do Estado do Rio de Janeiro, a PMES e a PCES, fizeram um excelente trabalho de inteligência policial que culminou na apreensão de grandes quantidades de entorpecentes e na prisão de várias pessoas com envolvimento no tráfico. Portanto, fica aqui mais uma vez registrado nosso reconhecimento e agradecimento aos bons serviços prestados pela PMES à população norte-bonjesuense, lembrando que possuo parentes e amigos em ambas as polícias, tanto no estado do Rio quanto aqui, no Espírito Santo, o que por si evidencia não haver mal intenção quando da produção desta, além do fato que não conheço os policiais que estiveram naquela ocorrência, exceto de vista.
Retomando o diário da crise, se havia uma parcela da população que não tinha sido atingida diretamente pelas sucessivas enchentes e de que certa forma estava tranqüila até então por ter seus bens e familiares protegidos, a partir do dia 8, uma parte significativa dessa mesma comunidade começara a se preocupar, pois alimentos e água começavam a escassear nas casas e não havia aonde comprar, ou melhor, não havia como chegar aos mercados não atingidos pelas enchentes para adquiri-los, mais um drama a ser vivido, agora pela parte não atingida diretamente pelas enchentes.
Todavia, a partir das 13 horas desse mesmo dia, a água começava a dar sinais de que estava baixando, além da “promessa” vinda dos céus que indicava dia seco para aquele dia, o que se confirmava pelas poucas nuvens presentes na abóbada celeste. Entretanto, apesar de se notarem aglomerações pontuais na cidade, cenário completamente diferente dos dias anteriores, pudemos perceber que várias autoridades circularam durante todo o dia levando notícias acerca dos últimos boletins meteorológicos para a região bem como de todo um bom trabalho pertinente para a ocasião, além da ajuda humanitária entre as pessoas, que em momento algum cessou. Mas não foram somente altas autoridades do Poder Executivo e do Poder Legislativo que circularam por aqui. O padre Luciano, pároco de Bom Jesus do Norte, por várias vezes fora visto caminhando incansavelmente pela cidade levando um pouco de conforto espiritual para as pessoas, tão tristes e tão necessitadas de uma palavra de alguém que conhece e sabe levar o Evangelho como poucos, o que certamente contribuiu e muito, no sentido de confortar nossos corações. Muito obrigado, digníssimo Padre, que Nosso Senhor o abençoe sempre.
Agora já é madrugada do dia 09, sexta-feira. São exatamente 1h34min da manhã, e a água nas ruas realmente já baixou, mas não o suficiente para as pessoas retornarem a seus lares, pois ainda há um volume muito grande de água em muitas ruas e casas para baixar, o que acredito só deverá ocorrer daqui a mais ou menos uns dois dias. Foi muita água que desaguou por essas bandas, mas com as Graças Divinas, as bênçãos do padre Luciano, a solidariedade da sociedade e aos homens e mulheres de boa vontade, logo em breve as coisas voltarão ao seu normal, se Deus quiser.
No momento, não se ouvem sequer cachorros latindo, o que nos faz pensar que, mesmo nesta situação, reina a paz em nossa Cidade. Já não se ouvem mais sirenes dando alertas nem pessoas gritando desesperadas pelas ruas, as quais certamente estão abrigadas e alimentadas, tanto material quanto espiritualmente.
A polícia continua desempenhando bem o seu papel, pois as rondas ostensivas permanecem, o que garante a nossa tranqüilidade nessa madrugada.
Doravante, acredito que realmente a tendência é melhorar: não há anúncio de chuvas para esta sexta-feira aqui em nossa região, o nível dos rios está baixando, a população que fora desalojada, logo, logo estará em suas casas, e creio que o evento dessa semana serviu para aproximar mais as pessoas; é como se Deus se utilizasse das águas para amolecer os corações de algumas poucas pessoas que insistem em pensar apenas em si; quem têm olhos apenas para os seus problemas, ignorando o fato de que, queiram ou não, acreditem ou não, nossa missão aqui na Terra não se dá no plano singular, ao contrário, somos seres plurais e que fomos forjados com a missão de ajudar o próximo, e quando às vezes, não raras, nos esquecemos disso, Deus se utiliza de outras formas para que tenhamos condições de entender os Seus propósitos em relação a nós, aos animais e a Natureza, ainda que de uma maneira muito dolorosa como está sendo a presente. Não falo com autoridade de conhecimento de causa, pois não sou autoridade em absolutamente nada, sou um eterno neófito, e assim quero permanecer, mas me manifesto pelo coração. Essa, padre Luciano, vai para o senhor...

“Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível para os olhos.” Antoine de Saint-Èxupèry. O Pequeno Príncipe.










Bom Jesus do Norte, 09/01/2009.







Marcelo Adriano Nunes de Jesus.
CIDADÃO BRASILEIRO.






A LUTA CONTINUA!









SEM TÍTULOS.

Um comentário:

  1. Testo excelente, além de bastente esclarecedor, servindo como um trabalho de reportagem, é, ao mesmo tempo, um relato do drama vivido pelo próprio narrador, que afinal, também passou pelo drama relatado.
    Parabéns Marcelo e invista na sua carreira de jornalista que será muito bem sucedido.
    Francisco

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